Não deixem de conferir as Frases da Semana na Gazeta do Povo!
Nota: Diante dos eventos que estão ocorrendo na Síria, incluindo o massacre de cristãos e outras minorias religiosas, decidi fazer algo um pouco diferente e publicar um fichamento que venho compilando sobre a situação, antes de elaborar um texto mais analítico. Procurei manter o texto factual e livre de opiniões, para que possa ser útil na compreensão do conflito, mesmo que eu não concorde com algumas caracterizações apresentadas pelas fontes consultadas.
Com a queda do regime de Bashar al-Assad em dezembro de 2024, a Síria passou de uma ditadura secular para outra dominada por islamistas radicais virtualmente da noite para o dia, encerrando cinco décadas de governo da minoria alauíta e invertendo as alianças sectárias; com a ascensão de um governo liderado pela facção salafita jihadista Hay’at Tahrir al-Sham (HTS), de orientação sunita radical, originada da Frente al-Nusra (dissidência da da Al-Qaeda na Síria).
Este novo cenário logo despertou temores profundos entre os cristãos, alauítas, drusos e outras minorias religiosas sírias, que há muito enfrentam perseguição por extremistas islâmicos.
O líder do HTS, Abu Mohammad al-Jolani (cujo nome real é Ahmad al-Sharaa), despontou como autoridade máxima do novo regime, assumindo o papel de presidente interino. Essa coalizão rebelde foi parcialmente apoiada pela Turquia na ofensiva final contra Assad e agrega diversos grupos insurgentes, em sua maioria facções islâmicas extremistas.
Embora o HTS tenha prometido proteção e “coexistência pacífica” a todas as minorias, incluindo cristãos, seu histórico jihadista levanta sérias dúvidas sobre o futuro desses grupos vulneráveis. De fato, o próprio HTS — assim como elementos remanescente do Estado Islâmico que permanecem ativos, especialmente leste do país — é amplamente reconhecido como uma organização terrorista de ideologia islamita radical, responsável por violações de direitos humanos e perseguições religiosas no passado.
Forças curdas das SDF (aliadas ao Ocidente, e inimigas da Turquia) já relataram capturas de líderes do Estado Islâmico no início de 2025, mostrando que não só a ameaça do grupo não foi completamente eliminada, como eles podem estar usando a vitória sobre Assad como combustível ideológico para atrair novos recrutas.
O HTS e seus aliados buscam consolidar poder enquanto enfrentam os desafios de governar um país devastado por 13 anos de guerra civil. A legitimidade interna do novo governo é frágil — alguns segmentos da população sunita celebram a queda de Assad, mas muitos sírios (inclusive sunitas moderados) temem a imposição de um regime teocrático linha-dura. O próprio Jolani vem tentando projetar uma imagem de estadista moderado, prometendo incluir todas as comunidades e até aventando redigir uma constituição civil em vez de lei estritamente sharia.
No entanto, há uma tensão palpável entre a ala mais ideológica (jihadistas fundamentalistas) e pragmáticos que buscam reconhecimento internacional. Até agora, todos os sinais —como restrições religiosas, execuções de retaliação e pilhagens — apontam para uma governança tumultuada e frequentemente vingativa, especialmente contra aqueles associados ao antigo regime ou a credos ‘infiéis’.
Milhares de funcionários do Estado anterior (particularmente muçulmanos alauítas e cristãos) foram demitidos ou fugiram, levantando dúvidas sobre a capacidade administrativa do novo governo.
Além disso, focos de resistência armada eclodiram: além dos drusos em Sweida e milícias alauítas dispersas, menciona-se que bolsões de combatentes leais a Assad ou milícias xiitas podem estar se reagrupando em áreas remotas, potencialmente alimentando uma insurgência contra o regime jihadista. Isso sugere que a guerra civil pode não ter acabado, mas sim entrado em uma nova fase, agora invertida — com os antigos rebeldes no poder e ex-lealistas possivelmente recorrendo à insurgência.
A queda de Assad realinhou as peças no tabuleiro do Oriente Médio. Para Irã e Hezbollah (Líbano), que perderam seu principal aliado em Damasco, o resultado foi um duro golpe estratégico. O corredor terrestre Teerã-Beirute via Síria foi interrompido, limitando o suprimento iraniano de armas ao Hezbollah.
Milícias xiitas estrangeiras que lutavam ao lado de Assad recuaram ou se dispersaram; muitos xiitas sírios locais agora temem por seus santuários (como o importante templo de Sayyida Zaynab, nos arredores de Damasco) e comunidades, possivelmente contando com o Irã para apoiá-los clandestinamente.
Já a Turquia ampliou sua influência: ao apoiar parcialmente a ofensiva do HTS, Ancara conseguiu tanto enfraquecer o regime Assad (seu adversário) quanto conter a autonomia curda no norte. Porém, o triunfo de um governo dominado por al-Qaeda gera desconforto em Ancara — a Turquia terá que lidar com uma fronteira sul governada por antigos aliados jihadistas que podem inspirar elementos radicalizados dentro da própria Turquia.
Relatos indicam que a Turquia busca moderar o HTS por trás dos panos, possivelmente condicionando ajuda e reconhecimento à contenção do extremismo mais violento (até para evitar novas levas de refugiados rumo ao seu território). Israel, por sua vez, viu oportunidades e riscos: aproveitou o colapso do exército sírio para atacar bases iranianas e do Hezbollah durante o caos da transição, inclusive ocupando uma faixa desmilitarizada na fronteira síria para criar um ‘buffer’.
Tel Aviv celebra a expulsão do Irã de seu front vizinho, mas enxerga com alarmismo a instalação de um ‘Emirado’ da Al-Qaeda próximo às Colinas de Golã. Segundo fontes de inteligência, Israel chegou a pressionar os EUA nos bastidores para que permitissem à Rússia manter sua presença militar na Síria, visto como um mal menor capaz de contrabalançar a influência turca e jihadista no país.
As monarquias árabes do Golfo dividiram-se: o Qatar, historicamente próximo a algumas facções islamistas sírias, buscou mediar e financiou ajuda emergencial ao novo governo; já Arábia Saudita e Emirados Árabes, que haviam se reaproximado de Assad pouco antes de sua queda, adotaram cautela, temendo a ascensão de um regime sunita radical não alinhado aos seus interesses.
A Guerra Civil na Síria
Era Assad (pré-2011): Sob Hafez al-Assad e depois seu filho Bashar, a Síria mantinha um regime autoritário secular de viés nacionalista árabe. Os cristãos (cerca de 8-10% da população antes da guerra) viviam relativamente seguros sob o Estado Baathista, que os tratava como uma minoria leal e útil.
O regime cooptou figuras cristãs em posições simbólicas de governo e garantia liberdade de culto, embora exigisse lealdade política e impusesse monitoramento. Convertidos do islamismo ao cristianismo, porém, enfrentavam assédio e risco de violência por parte de familiares ou autoridades islâmicas, mesmo durante Assad.
Ainda assim, comparada a muitos vizinhos, a Síria de Assad era vista como um santuário para minorias, incluindo diversas denominações cristãs, além de alauítas, xiitas e drusos, que compunham juntos cerca de 13-15% da população. Em 2010, estimavam-se 1,8 milhão de cristãos no país. Havia tensões latentes — por exemplo, alguns islamistas jamais aceitaram o papel proeminente dos ‘infiéis’ no governo — mas a repressão imposta pelo Estado mantinha grupos jihadistas na clandestinidade ou exílio.
Início da guerra civil (2011-2013): Com os protestos e a insurgência contra Assad a partir de 2011, a posição dos cristãos tornou-se delicada. Muitos cristãos temiam que a queda do regime laico resultaria em anarquia ou teocracia islâmica (um medo que, ironicamente, se concretiza agora).
Portanto, em sua maioria, as igrejas adotaram postura pró-Assad ou neutra. Isso levou os rebeldes mais radicais a enxergarem os cristãos como ‘cúmplices’ do regime. Já em 2012-2013, relatos de sequestros de padres e bispos por milícias jihadistas (como o desaparecimento de dois bispos ortodoxos de Aleppo em 2013) e ataques a povoados cristãos começaram a se multiplicar.
Um evento simbólico foi a Batalha de Maaloula em setembro de 2013, quando a Frente al-Nusra tomou essa cidade cristã histórica: igrejas foram profanadas, cruzes derrubadas e pelo menos três cristãos foram executados por se recusarem a renegar a fé, transformando-os em mártires modernos.
Felizmente, meses depois tropas governamentais recapturaram Maaloula (em 2014), mas a cidade já estava semi-destruída e boa parte de sua população fugiu para Damasco. Essas dinâmicas iniciais consolidaram a aliança tácita entre cristãos e o regime Assad — visto pelos fiéis como o mal menor ante o caos islamista.
Ascensão do Estado Islâmico e caos sectário (2014-2017): A fase mais sombria para as minorias religiosas veio com a ascensão do Estado Islâmico. Em 2014, o Estado Islâmico proclamou um ‘califado’ englobando territórios na Síria e Iraque, implementando uma regime islâmico extremamente violento.
Embora a maior atrocidade tenha sido cometida contra os yazidis no Iraque, na Síria o Estado Islâmico também alvejou cristãos sem piedade. Cidades como Raqqa, Deir ez-Zor e partes da região de Homs caíram sob domínio do califado, levando à imposição das regras draconianas: cristãos deviam escolher entre converter-se ao islamismo, pagar a jizya (taxa de submissão) ou pagar com a própria vida.
A grande maioria fugiu; alguns poucos restantes pagaram a taxa para sobreviver, mas viviam humilhações constantes. Igrejas históricas foram demolidas ou transformadas em armazéns. Em fevereiro de 2015, o Estado Islâmico atacou aldeias assírias na região do rio Khabur (nordeste da Síria), sequestrando mais de 200 cristãos assírios — muitos só seriam libertados quase um ano depois, após pagamento de resgates astronômicos, e cerca de 25 foram executados em vídeos de propaganda.
Em Palmira, templos e igrejas foram bombardeados. Nos territórios controlados pelo Nusra/HTS no noroeste, o tratamento era apenas ligeiramente menos brutal: os jihadistas permitiam algumas comunidades cristãs remanescentes (como em Idlib e na planície de Ghab) existir, mas sob regras de discriminação severa — cultos apenas a portas fechadas, proibição de sinos, mulheres cristãs forçadas a aderir ao véu islâmico, cruzes removidas de edifícios.
Durante esse período, estima-se que centenas de milhares de cristãos sírios deixaram o país. O Patriarca católico Gregório III Laham advertiu em 2015 sobre a possibilidade de extinção da presença cristã na Síria. De fato, enquanto a guerra avançava, a comunidade cristã encolheu para menos da metade. Muitos buscaram refúgio no Líbano, Jordânia, Turquia ou conseguiram asilo em países ocidentais. Um número significativo buscou até a cidadania russa como forma de escapar da violência sectária.
Aqueles que permaneceram se concentraram em áreas controladas pelo governo Assad (Damasco, costa de Latakia, partes de Homs e Aleppo), acreditando estar mais protegidos ali. Os alauítas, sendo a base do regime, também sofreram horrores quando capturados pelos jihadistas — massacres de aldeias inteiras ocorreram, como em agosto de 2013 na região rural de Latakia, onde facções incluindo a al-Nusra mataram cerca de 190 civis alauítas.
Os drusos, pela sua doutrina esotérica distinta, enfrentaram episódios trágicos como o massacre de Qalb Lawzeh (Idlib) em 2015, quando combatentes da al-Nusra massacraram pelo menos 20 drusos após uma disputa local.
Intervenção russa e retomada (2015-2020): A intervenção militar da Rússia a partir de setembro de 2015 mudou os rumos da guerra. Com massivos bombardeios aéreos, Moscou ajudou o exército sírio e milícias aliadas a reconquistar território do Estado Islâmico e de outras facções rebeldes.
Essa campanha — embora devastadora em termos de destruição material e perdas civis — foi vista por muitos cristãos sírios como uma salvação. Cidades como Aleppo (reconquistada em 2016) foram libertas de milícias islamistas, permitindo que igrejas reabrissem e comunidades começassem a se reconstruir.
De 2017 em diante, o Estado Islâmico foi sendo derrotado tanto pelo exército sírio (com apoio russo e iraniano) quanto por forças curdo-árabes apoiadas pelos EUA no leste. Em 2019, o ‘califado’ territorial do Estado Islâmico colapsou.
A perseguição sistemática arrefeceu: nenhuma grande cidade síria permanecia sob controle do Estado Islâmico, e a única grande região rebelde remanescente foi Idlib (noroeste), dominada pelo HTS/Al-Qaeda. Em Idlib, os cristãos sobreviventes continuaram sob opressão, mas em escala reduzida, já que quase todos haviam fugido.
No resto do país, sob Assad, os cristãos experimentaram um alívio temporário — ainda que enfrentando dificuldades de pós-guerra e a crise econômica severa sob sanções. Alguns refugiados internos até retornaram a cidades como Homs, reconstruindo igrejas com ajuda de ONGs internacionais e da Igreja (a fundação Ajuda à Igreja que Sofre e outros contribuíram para restaurar igrejas bombardeadas).
Em paralelo, contudo, a população cristã total continuou a reduzir, devido à emigração motivada pelas dificuldades econômicas e temores latentes do futuro. Em 2021, o Departamento de Estado dos EUA estimava que restavam apenas entre 600 mil e 900 mil cristãos na Síria (cerca de 3-4% da população), enquanto comunidades outrora robustas (como os armênios de Aleppo) viram grande parte de seus membros partir.
Mudanças recentes (2021-2023): Nos anos imediatamente anteriores à queda de Assad, a perseguição aos cristãos encontrava-se em patamares ‘moderados’ em comparação ao pico da era do Estado Islâmico, mas ainda presente. A organização Portas Abertas listava a Síria como o 12º país de maior perseguição aos cristãos em 2023 e 18º em 2024.
Os principais motores da perseguição identificados eram a opressão islâmica por parte de grupos radicais e a ‘paranoia ditatorial’ do próprio regime, que vigiava de perto as igrejas históricas e reprimia conversões.
Ainda havia focos de conflito: confrontos esporádicos entre rebeldes e governo continuavam no noroeste e leste, e os cristãos seguiam pegos no fogo cruzado em algumas áreas. A intolerância islâmica não desaparecera — grupos extremistas ainda proibiam expressões públicas da fé cristã e haviam destruído ou tomado a maioria dos edifícios de igrejas e mosteiros nas áreas sob seu controle.
Enquanto isso, regiões sob controle curdo no nordeste mostravam mais tolerância religiosa (por exemplo, aceitando legalmente conversões ao cristianismo), mas essas áreas também ficaram sob risco quando a Turquia invadiu partes do norte em 2019, trazendo violência contra cristãos e yazidis nas zonas ocupadas.
Em suma, até 2023 os cristãos sírios viviam uma situação binária: relativamente seguros nas zonas controladas pelo governo ou pelos curdos (embora sob restrições), mas impedidos de retornar às suas terras em regiões dominadas por islamistas. Muitos nutriram esperanças de que um acordo político pudesse eventualmente pacificar o país e garantir seus direitos — esperanças essas abaladas pelos eventos de dezembro de 2024.
Queda de Assad e novo êxodo (2024-presente): A derrubada repentina do regime Assad — em parte comparada à queda do regime de Saddam Hussein no Iraque, que abriu caminho ao caos sectário — interrompeu qualquer tendência de estabilidade para os cristãos e outras minorias.
A ascensão do HTS ao poder reacendeu o espectro de perseguições generalizadas. Organizações cristãs que monitoram a situação soaram o alarme imediatamente: a Portas Abertas descreveu um sentimento generalizado de incerteza e medo após a tomada de Damasco pelo HTS, enfatizando que apesar das promessas de tolerância dos jihadistas, “devido às origens do HTS e seu histórico de abusos, os cristãos – como outros sírios – sentem-se inseguros e temem impacto negativo em sua liberdade”.
Infelizmente, esses temores rapidamente se justificaram diante das notícias de massacres e ataques dirigidos a minorias no início de 2025. A consequência já visível é um novo êxodo: famílias cristãs inteiras lotam igrejas e consulados estrangeiros em busca de vistos humanitários; comunidades alauítas do vale do Orontes e da costa organizam caravanas para o Líbano ou tentam alcançar as regiões curdas (consideradas mais seguras); e os drusos permanecem entrincheirados, prontos para lutar ou, se necessário, negociar uma saída.
Assim, a ‘década perdida’ da guerra síria para as minorias ganhou um capítulo adicional de provação, tornando ainda mais incerto o futuro dessas antigas comunidades.
A Situação dos Cristãos na Síria
A milenar comunidade cristã síria — que abrange ortodoxos, católicos de vários ritos (melquitas, maronitas, siríacos etc.) e protestantes — está presente no país desde a antiguidade, mas viu sua população despencar durante a guerra civil.
Na emblemática cidade de Maaloula — berço do cristianismo siríaco onde ainda se fala aramaico —, a situação ilustra esse clima de apreensão. Depois da queda do governo, indivíduos muçulmanos que antes tinham sido expulsos por colaborar com a Frente al-Nusra (Al-Qaeda) voltaram à cidade “pressionando os cristãos sob o pretexto de que estes os haviam dfeslocado”. Surgiram vinganças e disputas por propriedades: pelo menos cinco famílias cristãs receberam ameaças de desapropriação de suas terras; algumas foram intimadas a deixar a cidade sob pena de morte, sob acusações de terem apoiado milícias pró-regime.
Essas ameaças não ficaram só no papel — casas foram invadidas e saqueadas, e o café de uma família cristã (a família Shahin) foi tomado à força por homens armados, até que uma mediação permitiu ao dono resgatar seus pertences.
Incidentes de intimidação também ocorreram: na véspera de Natal, homens armados dispararam tiros para o alto em uma praça onde um padre distribuía presentes às crianças, e cristãos relataram episódios de serem cuspidos nas ruas. O estopim veio em 26 de dezembro, quando um morador muçulmano local invadiu a fazenda de um cristão para roubá-la e acabou morto a tiros pelo proprietário em legítima defesa.
O caso imediatamente foi deturpado por agitadores como ‘ataque de cristãos contra muçulmanos’, inflamando os ânimos sectários. Após esse episódio, cerca de 80 das 325 famílias cristãs de Maaloula fugiram da cidade, temendo represálias. Pelo menos quatro casas de parentes do fazendeiro envolvido foram confiscadas por milicianos locais em retaliação.
A autoridade local em Maaloula atualmente é exercida por um comandante da Brigada Suleiman Shah (milícia turcomena aliada à Turquia), cuja presença armada gera desconfiança. Desesperados, os residentes cristãos e líderes da Igreja apelaram ao próprio HTS por proteção, pedindo que interviesse para impor ordem sobre os milicianos indisciplinados.
Essa situação paradoxal — cristãos pedindo ajuda a uma facção jihadista — reflete a falta de alternativas. “Os cristãos de Maaloula não se sentem seguros. Na ausência do Estado, a segurança desapareceu — especialmente porque as armas foram totalmente retiradas dos cristãos, enquanto permanecem nas mãos de outros”, relatou uma fonte local, enfatizando que a comunidade deseja viver em paz com seus vizinhos muçulmanos, mas se vê indefesa diante de grupos armados hostis.
Infelizmente, outros relatos de violência contra cristãos estão surgindo em diferentes regiões sob controle rebelde: por exemplo, na planície de Al-Ghab (oeste da Síria), jihadistas aliados ao novo regime assassinaram uma jovem família cristã — incluindo um bebê — e executaram sumariamente outros fiéis, como Tony e Fadi Petrus (pai e filho).
Tais atrocidades corroboram o temor de que a já minguante comunidade cristã síria (reduzida a talvez 2–3% da população hoje) enfrente dias ainda mais sombrios. Líderes eclesiásticos locais têm tentado equilibrar uma linha tênue entre dialogar com as novas autoridades e não legitimar seus abusos.
Em Damasco, pouco após a mudança de regime, representantes das diversas igrejas reuniram-se com Jolani para cobrar garantias. O novo líder — ele próprio um ex-militante da Al-Qaeda — tentou tranquilizá-los, afirmando ter vivido anos entre cristãos em Damasco e Deraa e que “os cristãos são parte integrante da sociedade síria”. Sinalizou até desejo de implementar um ‘sistema legislativo civil’ em vez de um emirado teocrático.
Contudo, os clérigos saíram cautelosos. “Não há garantias, permanecemos no limbo”, disse o padre jesuíta Rami Elias, notando a ambiguidade das intenções do novo governante. Assim, os cristãos sírios estão apreensivos: por um lado, procuram diálogo e mantêm a esperança de não serem tratados pior do que eram antes; por outro, multiplicam-se sinais de uma crescente perseguição anticristã, com restrições à liberdade religiosa e violência esporádica.
Vale lembrar que sob o domínio do HTS na província de Idlib nos anos anteriores, os cristãos já vivenciaram discriminação severa — símbolos religiosos como cruzes foram removidos das igrejas e padres eram proibidos de usar trajes clericais em público. Essa experiência passada alimenta o temor de que tais práticas agora se estendam nacionalmente.
O Papel das Potências Estrangeiras
O Ocidente reagiu com ambivalência à queda de Assad. Por um lado, EUA e Europa nunca esconderam seu alívio pela remoção de um ditador acusado de crimes de guerra, e alguns líderes declararam apoio ‘cauteloso’ à mudança. Por exemplo, Kaja Kallas, chefe de política externa da UE, celebrou o fim do “regime brutal” e falou em oportunidade de reconstrução, mas alertou para o perigo de o país “cair nas mãos de outros radicais”.
Esse alerta tornou-se realidade instantaneamente. Governos ocidentais agora enfrentam um dilema: não desejam legitimar um governo dominado por um grupo designado terrorista, mas também não querem uma Síria completamente falida ou dominada inteiramente por influências turco-iranianas.
Até o momento, nenhum país ocidental reconheceu formalmente o governo do HTS. Os EUA colocaram como condição a ruptura total dos novos governantes com o terrorismo internacional e garantias concretas de respeito aos direitos humanos, especialmente das minorias, antes de considerar qualquer alívio de sanções ou liberação de ajuda financeira substancial.
Em Washington, a mudança também desencadeou debate interno: vozes conservadoras lembraram que nos primeiros anos da guerra a administração Obama aventou apoiar certos rebeldes islâmicos contra Assad — um erro estratégico, segundo críticos, que teria alimentado a Al-Qaeda na Síria.
Essa visão foi personificada pela ex-congressista Tulsi Gabbard (nomeada Diretora de Inteligência Nacional pelo governo Trump no início de 2025), que diante do Senado americano alertou: “O que temos agora na Síria é o HTS, um braço da Al-Qaeda liderado por um jihadista que dançou nas ruas em 11 de setembro de 2001... Odeio ver nossos líderes chamando esses extremistas de ‘rebeldes’ moderados. A Síria agora está controlada por um dissidente da Al-Qaeda responsável pela morte de muitos soldados americanos”.
Essa crítica reflete a posição de setores conservadores nos EUA, contrários a qualquer conciliação com o regime jihadista de Damasco. Ao mesmo tempo, Washington mantém tropas no leste da Síria junto aos curdos, continuando operações pontuais contra células do Estado Islâmico e deixando claro que não tolerará que a Síria se torne base para ataques terroristas.
A coordenação tácita entre forças americanas e russas na região — que existiu no combate ao Estado Islâmico — poderá até ser retomada visando monitorar e conter grupos ligados à Al-Qaeda.
Já a Europa, além de preocupação com terrorismo, teme uma nova onda migratória: se a violência sectária escalar, centenas de milhares de cristãos, alauítas e drusos podem tentar escapar do país.
Países europeus, pressionados por opiniões públicas cada vez mais anti-imigração, tendem a apoiar soluções dentro da Síria para proteger essas populações in situ, evitando êxodos.
Rússia
Desde os tempos dos czares, a Rússia se apresentava como defensora dos cristãos ortodoxos no Oriente Médio. Na Síria contemporânea, Moscou aliou-se firmemente a Assad — em parte justificando sua intervenção de 2015 pela necessidade de combater terroristas islâmicos que massacravam cristãos e outras minorias.
De fato, a campanha militar russa foi decisiva para libertar cidades como Aleppo e Homs do jugo jihadista, salvando comunidades minoritárias inteiras de possível extermínio. O Patriarca Cirilo I de Moscou e autoridades russas frequentemente ressaltavam a missão de proteger os cristãos sírios. Contudo, com a queda de Assad, a posição da Rússia ficou abalada. Nos dias finais de Damasco, forças russas evacuaram pessoal diplomático e o próprio Assad via sua base aérea em Hmeimim, priorizando seus interesses estratégicos.
Agora, a Rússia tenta negociar com o novo governo para manter seus ativos militares: a base aérea de Hmeimim (Latakia) e a base naval de Tartus, ambas no coração de territórios alauítas. A presença russa remanescente tornou-se um potencial porto seguro para civis em perigo: há notícias de que centenas de famílias (sobretudo alauítas e cristãs) se aglomeraram nos entornos dessas bases buscando proteção, confiantes de que os jihadistas hesitariam em confrontar tropas russas diretamente.
Até o momento, rebeldes do HTS guardam os acessos às bases russas, mas não as atacaram — pelo contrário, têm permitido que Moscou mantenha um contingente limitado sob escolta.
Fontes indicam que o novo governo vê vantagem em não expulsar totalmente a Rússia: Jolani estaria disposto a permitir que as bases russas permaneçam temporariamente em troca de apoio diplomático e financeiro de Moscou, incluindo alívio de dívidas sírias e investimentos na reconstrução.
Isso cria uma situação peculiar: a Rússia, outrora inimiga mortal do HTS, agora negocia uma coexistência pragmática. Para as minorias, a pergunta é se Moscou usará sua influência para pressionar os islamistas a moderar seu tratamento das comunidades vulneráveis.
Existe precedente: no passado, a Rússia facilitou evacuações de civis de zonas cercadas e mediou acordos locais. Não surpreenderia se, nos bastidores, diplomatas russos estivessem barganhando garantias de segurança para os cristãos e alauítas como parte do acordo para manter as bases.
Ainda que movida por interesse próprio, a Rússia pode ser um contrapeso importante. Porém, a prioridade de Moscou será manter seus interesses militares; se isso exigir sacrificar causas morais, assim fará.
Irã
O Irã foi o outro grande pilar estrangeiro do antigo regime, enviando milhares de combatentes (da Guarda Revolucionária e milícias associadas) para salvar Assad.
Teerã justificava sua intervenção como defesa dos santuários xiitas e das minorias xiitas/alauítas. Milícias apoiadas pelo Irã, como a Brigada Fatemiyoun (afegãos xiitas) e Hezbollah do Líbano, lutaram ferozmente contra o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, efetivamente protegendo aldeias xiitas e alauítas de aniquilação.
Com a virada do regime, porém, quase todos os efetivos iranianos se retiraram ou recuaram para áreas controladas pelos curdos ou próximos à fronteira libanesa. O novo regime sunita certamente não toleraria forças xiitas armadas em seu território.
Isso deixou comunidades xiitas locais — pequenas em número, concentradas em Damasco (Sayyida Zaynab), Aleppo e Homs — em situação precária. O santuário de Sayyida Zaynab, venerado pelos xiitas, está sob proteção improvisada de voluntários xiitas sírios e alguns agentes do Hezbollah, mas teme-se que extremistas sunitas possam atacá-lo em retaliação simbólica contra o Irã.
É provável que o Irã atue discretamente, através de laços tribais e comunitários, para proteger essas áreas xiitas remanescentes ou facilitar a evacuação de fiéis para o Líbano/Irã se necessário.
Politicamente, Teerã condenou oficialmente o ‘governo terrorista’ do HTS em Damasco, mas vem adotando uma postura discreta — focando-se em manter influência no Iraque e Líbano, e claro, na sua prioridade máxima que é confrontar Israel e lidar com sanções nucleares.
A proteção das minorias outrora alardeada pelo Irã (como o discurso de proteger santuários sagrados) pode ficar em segundo plano sem Assad no poder. Todavia, do ponto de vista das minorias xiitas e alauítas, o Irã e seus aliados regionais permanecem uma potencial tábua de salvação: muitos alauítas que fugiram para o litoral esperam que o Hezbollah lhes ofereça passagem segura ao Líbano, e boatos sugerem que células pró-Irã poderiam fomentar resistência armada anti-HTS nas montanhas, provendo algum grau de defesa às comunidades perseguidas.
Recentemente, um novo grupo apoiado pelo Irã, denominado “Resistência Islâmica no Fronte da Síria”, surgiu com planos de lutar contra as posições israelenses nas Colinas de Golã, no sul da Síria.
No geral, entretanto, a influência iraniana na nova ordem síria é drasticamente reduzida — um revés que expõe as minorias xiitas/alauítas a maior perigo.
Turquia
A Turquia, vizinha ao norte, teve uma posição ambígua desde o início. O governo turco (de viés islamista moderado) apoiou a insurgência sunita contra Assad, abrigou líderes do Exército Livre Sírio e até grupos mais islamistas, na esperança de instalar um governo amigo em Damasco.
Com o tempo, acabou colaborando tacitamente com o HTS em Idlib, embora oficialmente liste o HTS como terrorista. Ancara vê os curdos da Síria (YPG/SDF) — apoiados pelo Ocidente — como ameaça prioritária, mais até do que o HTS. A ofensiva que derrubou Assad contou com apoio logístico e de inteligência turco, especialmente no sul da Síria via Jordânia.
Após a vitória rebelde, a Turquia emergiu como um dos poucos países com canais abertos tanto com o HTS quanto com outros grupos armados rebeldes. Isso lhe confere influência considerável sobre o novo arranjo.
Entretanto, a Turquia também tem minorias religiosas e étnicas, e não deseja um califado descontrolado na sua fronteira. Por isso, analistas creem que Ancara está pressionando o HTS a cumprir certas promessas, incluindo não perseguir abertamente cristãos e garantir passagem segura a refugiados.
O objetivo turco seria ganhar legitimidade internacional para o novo governo (no qual teria influência), e isso exigiria conter os impulsos mais radicais dos jihadistas, pelo menos no começo.
Reportagens indicam que, em cidades como Maaloula, representantes turcos intercederam junto a milícias aliadas para cessar abusos contra cristãos, provavelmente em resposta a pedidos diretos de líderes religiosos locais ou de países ocidentais.
Por outro lado, tropas turcas e facções pró-Turquia ocupam partes do norte da Síria (Afrin, Jarabulus, etc.) e nessas áreas já se registraram ataques a minorias — por exemplo, destruição de igrejas assírias e profanação de cemitérios yazidis por milícias turcomenas em Afrin (2018-2020).
Assim, o histórico da Turquia enquanto potência protetora de minorias não é encorajador. Para os cristãos, a Turquia (herdeira do Império Otomano) carrega memórias nada positivas de perseguições históricas. Ainda assim, pragmaticamente, Ancara pode frear o pior cenário se conseguir domar seus parceiros jihadistas.
Nos bastidores, a Turquia vem tentando articular um acordo de governança envolvendo elementos do antigo Governo Sírio Provisório (mais laico) junto com o HTS, a fim de ampliar a base do novo regime e tornar mais palatável seu reconhecimento. Esse arranjo incluiria figuras da Irmandade Muçulmana síria, possivelmente menos hostis aos cristãos.
Se lograr êxito, talvez se estabeleça uma administração um pouco mais plural. De todo modo, a Turquia atuará conforme seus interesses nacionais: quer evitar insurgências curdas, barrar a influência iraniana e russa excessiva, e garantir que uma Síria fraturada não exporte instabilidade para suas fronteiras.
Nessa equação, a segurança das minorias religiosas é uma variável instrumental — Ancara poderá usá-la como moeda de troca diplomática (por exemplo, prometendo proteção a igrejas para angariar boa vontade europeia), mas dificilmente como um fim em si.
Estados Unidos, União Europeia e o Vaticano
As potências ocidentais, embora cautelosas em intervir diretamente, exercem pressão diplomática. Estados Unidos e União Europeia condenaram vigorosamente os relatos de massacres sectários. Houve discussões no Conselho de Segurança da ONU, com França e Reino Unido propondo uma resolução exigindo acesso de agências humanitárias a comunidades minoritárias sob risco.
A Rússia vetou uma resolução mais dura (alegando ingerência), mas negociações seguem para enviar missões de monitoramento da ONU para locais emblemáticos (como Maaloula e Sweida).
O Vaticano expressou preocupação: o Papa Francisco emitiu apelo por “proteção dos nossos irmãos e irmãs na fé na Síria” e ofereceu mediação. A Santa Sé historicamente manteve canais de comunicação tanto com o regime Assad quanto com líderes muçulmanos, e pode tentar usar sua influência junto a países como a Turquia ou Qatar para moderar o HTS.
Instituições católicas internacionais, como a Caritas e a Ajuda à Igreja que Sofre, mobilizaram fundos emergenciais para auxílio a deslocados cristãos dentro da Síria e em países vizinhos.
Líderes católicos de direita pelo mundo têm ecoado as denúncias de perseguição e criticado o que veem como inação ocidental. Pressionam para que governos europeus concedam asilo prioritário a cristãos sírios em perigo. Alguns países do Leste Europeu, de forte identidade cristã, já sinalizaram disposição de acolher cristãos sírios.
A Portas Abertas vem monitorando de perto a situação pós-queda de Assad, divulgando notas que mesclam esperança e prudência. Em uma análise, a organização ressaltou que “a substituição de um tirano pode criar um vácuo de poder” e lembrou o caso do Iraque pós-Saddam que levou ao surgimento do ISIS, exortando orações para que o mesmo não ocorra na Síria. Apesar disso, reconheceu que o HTS “diz muitas das coisas certas” em suas declarações públicas — uma referência às promessas de tolerância —mas que o futuro permanece incerto.
Já a Ajuda à Igreja Que Sofre tem destacado depoimentos de sacerdotes sírios pedindo apoio internacional contínuo. Igrejas locais, por sua vez, tornaram-se nodos de resistência civil e assistência: bispos organizam abrigo para famílias desalojadas, padres negociam localmente com comandantes do HTS para poupar comunidades (como visto em Maaloula, onde um padre atuou para acalmar a situação após o incidente de 26 de dezembro) e grupos de voluntários cristãos distribuem comida e medicamentos onde o Estado colapsou. Essa mobilização eclesial lembra o papel protetor que a Igreja assumiu em outros episódios históricos de perseguição.
Por fim, destaca-se o envolvimento de outros países: o Líbano, lar de muitos cristãos e drusos, reforçou tropas na fronteira e discute criar corredores humanitários; a Jordânia (de minoria cristã e drusa) também observa de perto, temendo instabilidade em sua vizinhança norte. A Rússia e a França discutiram a possibilidade de uma iniciativa conjunta para proteger locais cristãos históricos (dado o interesse cultural francês e russo na Síria) — mas nada concreto emergiu até agora.
Como Evitar Novos Massacres
Diante do agravamento da perseguição religiosa, são urgentes medidas imediatas para salvar vidas e aliviar o sofrimento das minorias na Síria. Algumas soluções de curto prazo, já em discussão ou parcialmente em prática.
Bases Militares e Zonas Protegidas
As bases militares russas em Hmeimim (Latakia) e Tartus tornaram-se locais relativamente seguros devido à presença contínua (embora reduzida) de tropas russas. Abrigar refugiados civis nessas instalações é uma possibilidade concreta. Há informes de que oficiais russos permitiram a entrada de um número limitado de famílias alauítas, especialmente familiares de militares do antigo regime, dentro do perímetro dessas bases.
Expandir esse refúgio — com a concordância do comando russo — poderia salvar muitas vidas. A Rússia, se desejar se apresentar como protetora, pode estabelecer ‘zonas de segurança’ temporárias em torno de suas bases, onde civis vulneráveis possam congregar sob proteção russa até que reassentamentos sejam organizados.
Isso exigiria coordenação logística (alimentação, abrigo, saneamento) e, idealmente, apoio da Cruz Vermelha para assistência humanitária. Além das bases russas, outras zonas potencialmente seguras incluem a própria província drusa de Sweida — se os drusos aceitarem acolher cristãos e alauítas em fuga (há relatos de solidariedade drusa nesse sentido).
Regiões do nordeste sob controle curdo também continuam relativamente estáveis e poderiam servir de refúgio, desde que os corredores para lá chegar sejam viabilizados. Forças curdas (SDF) e americanas no leste podem facilitar a evacuação de minorias das regiões centrais para o nordeste via Deir ez-Zor/Hasakah, contornando áreas controladas pelo HTS.
Igrejas e Mosteiros
Historicamente, em tempos de perseguição, templos religiosos oferecem asilo. Na Síria atual, igrejas e mosteiros estão abrindo suas portas para abrigar pessoas. Por exemplo, a Catedral Maronita de Latakia acolheu dezenas de famílias cristãs e alauítas que escaparam de Hama e Idlib.
Mosteiros em regiões mais isoladas, como o Mosteiro de São Moisés (Mar Musa) nas montanhas ao norte de Damasco, poderiam servir como esconderijos temporários. A efetividade desses santuários, porém, depende do respeito (ou conveniência) dos novos senhores da guerra.
O HTS até agora não ordenou invasões a igrejas lotadas de refugiados, possivelmente para evitar condenação internacional — isso dá algum espaço para a Igreja atuar. Líderes eclesiásticos estão negociando localmente com comandantes do HTS para garantir que igrejas sejam respeitadas.
Em algumas áreas, inclusive, combatentes do HTS foram postados do lado de fora de igrejas para ‘proteger’ cultos de Natal — um gesto propagandístico após uma árvore de Natal ser incendiada, mas que pode ser usado a favor dos refugiados. A curto prazo, multiplicar esses ‘santuários’ e garantir suprimentos a eles é vital.
Aqui, a cooperação de organizações cristãs internacionais é fundamental: enviar ajuda diretamente a igrejas (por meio de redes católicas e ortodoxas) contorna entraves políticos e leva socorro a quem precisa. As igrejas também podem servir como centros de registro para pessoas desaparecidas, reunindo listas de sequestrados ou presos, informação crucial para futuras negociações de libertação.
Corredores Humanitários
A comunidade internacional pode pressionar por corredores humanitários, caminhos seguros sob bandeira neutra, para retirar civis de áreas de risco. Por exemplo, um corredor de Hama até a costa, escoltado pela Cruz Vermelha e talvez observadores internacionais, permitiria que alauítas e cristãos deixassem zonas hostis rumo a Latakia (onde teriam proteção russa).
Igualmente, um corredor de Damasco a Sweida poderia evacuar drusos e cristãos sitiados na capital. Para viabilizar isso, seria necessário um acordo com o HTS e seus aliados — possivelmente mediado pela ONU, Turquia ou Qatar — garantindo passagem livre em determinadas janelas de tempo.
Já se discute no Conselho de Segurança da ONU uma resolução para evacuação de civis de zonas conflagradas, inspirada em iniciativas semelhantes adotadas em Aleppo (2016) e Homs (2014).
Além de corredores terrestres, pontes aéreas ou navais podem ser estabelecidas: a marinha russa poderia transportar refugiados da base de Tartus para terceiros países, ou aviões de carga (russos, ocidentais ou da ONU) poderiam pousar em Hmeimim para retirar grupos vulneráveis.
Países como Itália, Polônia e Hungria já se ofereceram para receber contingentes de cristãos sírios resgatados. A curto prazo, portanto, intensifica-se o apelo para missões de evacuação — ainda que pequenas em escala — como forma de salvar mulheres, crianças e idosos em maior risco. Naturalmente, essas operações enfrentam obstáculos logísticos e de segurança, mas seu planejamento está em curso.
Pressão Internacional
Uma solução rápida para aliviar os persguidos religiosos seria enviar observadores de direitos humanos para áreas sensíveis, cuja mera presença iniba os abusos. Por exemplo, delegações de embaixadas (Santa Sé, Rússia, países europeus) visitando regularmente aldeias cristãs e drusas para demonstrar preocupação.
A mídia internacional e ONGs devem ser encorajadas a documentar situações como a de Maaloula — exposição pode refrear a mão dos perseguidores. Adicionalmente, a pressão diplomática direta sobre líderes do HTS pode surtir efeito: Turquia e Qatar, tendo canais com Jolani e cia, podem repassar recados urgentes de que massacres contra minorias resultarão em isolamento completo e possivelmente intervenção militar.
No curto prazo, a nova liderança em Damasco ainda busca algum reconhecimento; isso pode ser explorado para arrancar concessões imediatas, como a libertação de prisioneiros civis e garantia de proteção a minorias. Cada pronunciamento de condenação forte de líderes mundiais (p.ex., do Papa Francisco, do presidente Donald Trump, de primeiro-ministros europeus) aumenta o custo político de cometer atrocidades abertamente.
A presença de católicos influentes no governo de Donald Trump (entre eles, o vice-presidente JD Vance, o secretário de Estado Marco Rubio, e a primeira-dama Melania Trump) pode sinalizar um importante fio de esperança para uma intervenção mais decisiva na Síria.
Assistência Humanitária
No curtíssimo prazo, fornecer ajuda nas áreas onde minorias estão abrigadas é essencial para evitar uma catástrofe humanitária. As comunidades sob cerco ou em fuga carecem de alimentos, água limpa, remédios. Convencer o novo governo a permitir comboios humanitários é prioridade — se não para todas as áreas, ao menos para locais simbólicos (como Sweida e Latakia).
A Rússia, que ainda controla espaço aéreo no litoral, poderia facilitar lançamentos de suprimentos por via aérea a vilarejos isolados. Entidades cristãs internacionais estão canalizando recursos para comprar mantimentos e distribuí-los através das dioceses locais. Esse socorro material imediato pode prevenir que as minorias sucumbam não apenas à violência, mas também à fome e doenças, enquanto se busca uma solução mais duradoura.
Entre para nosso grupo no Telegram:
Meu livro “Primavera Brasileira” está disponível na Amazon (em versões eBook e física),, um livro de frases com a crônica do processo eleitoral (por falta de palavra melhor) que o Brasil sofreu em 2022.