O Fim de Moraes e o 'Magnitsky Act'
Lei americana contra o abuso de poder tem alcance global e já penalizou juízes eleitorais na América Latina
Nota: Artigo originalmente publicado em 21 de abril de 2024, com edições e notas para atualizar as informações.
A estratégia adotada por um grupo de congressistas e ativistas brasileiros para buscar o apoio do Congresso americano no intuito de conter os excessos do Judiciário no Brasil está mostrando resultados positivos.
À primeira vista, este esforço pode parecer fútil, uma vez que o Congresso americano não possui jurisdição sobre o Brasil — algo que, felizmente, é um fato a ser comemorado. No entanto, essa mesma limitação jurídica permite que os autocratas instalados no Judiciário brasileiro, há muito blindados contra a vergonha e a decência, perpetuem seus atos impunemente, protegidos pela sensação de estarem acima da lei.
Discute-se muito sobre a imposição de sanções comerciais ao Brasil como forma de pressionar o Judiciário. Contudo, essa tática não apenas é contraproducente, pois prejudica a economia nacional e afeta a população que não tem relação nenhuma com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), mas também é complexa e arriscada de implementar.
A alternativa mais viável seriam sanções direcionadas às pessoas físicas, como o ministro Alexandre de Moraes, que tornou-se o símbolo global da censura, discricionariedade e abuso de poder judicial que caracterizam a Justiça brasileira neste momento.
A boa notícia é a existência do ‘Global Magnitsky Act’ (ou a ‘Lei Magnitsky Global’), um mecanismo da lei americana criado exatamente com esse propósito. Essa lei permite que o governo dos Estados Unidos imponha sanções, incluindo o bloqueio de ativos e a proibição de entrada em solo americano, a oficiais de governos estrangeiros envolvidos em corrupção e em violações graves dos direitos humanos.
Essa seria uma estratégia capaz de impactar significativamente os tiranos togados que dominam o país, sem prejudicar o povo brasileiro.
[Nota: embora o bloqueio de ativos previsto por essa Lei tenha validade principalmente nos Estados Unidos, países da União Europeia e outras nações desenvolvidas — como o Reino Unido, Canadá, Coreia do Sul, Japão e Austrália — costumam aderir às sanções norte-americanas e, por consequência, também congelam os ativos das pessoas sancionadas. Já o Brasil avalia cada situação individualmente, e neste caso específico seria improvável que adotasse tais sanções.]
A Lei Magnitsky e seu alcance global contra a tirania
A aplicação da Lei Magnitsky não é novidade na América Latina ou em outras regiões do mundo. Em 2018, por exemplo, os Estados Unidos sancionaram diversos oficiais da Nicarágua, incluindo juízes e promotores, por seu envolvimento nos abusos de direitos humanos durante a repressão a protestos anti-governistas.
Na Guatemala, o Departamento de Estado dos EUA aplicou severas sanções ao sistema judicial, destacando-se o caso do juiz de tribunal penal Fredy Orellana, penalizado por “formular acusações criminais politicamente motivadas e infundadas” contra o jornalista José Rubén Zamora, condenado por Orellana a seis anos de prisão. Uma situação diretamente comparável com a perseguição de jornalistas brasileiros como
e Oswaldo Eustáquio, orquestrada por figuras como o ministro Alexandre de Moraes.Foi o mesmo Orellana quem ordenou a suspensão do partido de oposição Semilla, apesar da constituição da Guatemala proibir a suspensão de partidos políticos durante o período eleitoral. Um ato que encontra paralelos notórios com a declaração de inelegibilidade de Jair Bolsonaro, a remoção de Deltan Dallagnol de seu cargo e as tentativas contra Ibaneis Rocha e Sergio Moro.
A promotora Cinthia Monterroso, envolvida no caso Zamora, teve seu visto americano cancelado, o que sugere que outros oficiais envolvidos em perseguições político-judiciais no Brasil também poderiam ser alvo de sanções.
Em outras instâncias, os EUA impuseram proibições de visto e outras sanções a membros do judiciário venezuelano, acusados de comprometer o processo democrático ou de envolvimento em corrupção.
A decisão de sancionar 17 oficiais sauditas após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018, sob a mesma lei, ilustra a adaptabilidade da Lei Magnitsky em contextos diversos onde as liberdades fundamentais são violadas. Um exemplo que se assemelha à trágica morte de Cleriston Pereira da Cunha, detido na Papuda mesmo com parecer de soltura emitido pelo MPF há meses.
No ano passado, o Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA instou o agora ex-presidente Joe Biden a se pronunciar sobre a imposição de sanções ao General Mohamed Hamdan ‘Hemedti’ Dagalo, do Sudão, acusado de graves violações dos direitos humanos.
Portanto, o precedente internacional para a aplicação da Lei Magnitsky é sólido e reflete uma tendência crescente de responsabilização transnacional. No Brasil, com acusações semelhantes de abuso de poder pelo Judiciário, essas experiências internacionais poderiam orientar ações para garantir que a justiça prevaleça, mesmo quando instituições locais se mostram falhas.
Assim, embora os Estados Unidos não possam afetar diretamente o STF, ainda têm o poder de impor um estresse considerável aos tiranos. Isso eliminaria as oportunidades de fazerem palestras patrocinadas por João Dória em Nova York, de viajarem em cruzeiros para Miami ou de realizarem seu passeio anual à Disney World.
Se quiserem investir seu vasto capital no exterior (seja lá de que forma o acumularam), nossos censores togados teriam de recorrer a jurisdições menos badaladas, como China, Rússia, Irã, Síria ou Coreia do Norte, as quais dificilmente honrariam as sanções americanas.
Além disso, um ministro do Supremo sancionado por violações de direitos humanos e corrupção eleitoral colocaria o Congresso brasileiro numa posição delicada, caso se recuse a considerar um processo de impeachment.
EUA poderiam aplicar sanções pessoais aos membros do STF
Mas um gatilho é necessário, e talvez isso explique a hesitação do STF em confrontar Elon Musk diretamente. Se decidirem bloquear o X/Twitter no Brasil, aplicarem pesadas multas que levem a empresa à falência ou prenderem algum representante do X com base em uma ordem judicial ilegal, isso talvez pudesse ser o estopim do processo. [Nota: isso aconteceu em setembro de 2024, 5 meses após a publicação original desse artigo.]
Um entrave à aplicação da Lei Magnitsky no Brasil está no fato de que a autoridade para impor sanções sob essa lei pertence ao presidente dos Estados Unidos, atualmente o democrata Joe Biden, que delega tal poder aos Secretários de Estado e do Tesouro. Por sua vez, o Office of Foreign Assets Control (OFAC) gerencia a implementação dessas sanções. [Nota: essa autoridade hoje pertence a Donald Trump, o que muda completamente a situação.]
É sabido que Biden tem interesse em preservar o status quo político brasileiro, demonstrando uma preferência clara por Lula em detrimento de Bolsonaro ou outros políticos mais à direita. Além disso, sua administração já foi acusada de auxiliar nos esforços para restringir a oposição no Brasil, potencialmente interferindo nas eleições.
A inclusão de oficiais brasileiros na Lista Engel, formalmente conhecida como ‘Seção 353 Lista de Atores Corruptos’, é um possível primeiro passo para a imposição de sanções pessoais. Embora esta lista vise especificamente indivíduos de El Salvador, Guatemala e Honduras envolvidos em corrupção significativa ou na obstrução de investigações sobre corrupção, sua expansão para incluir o Brasil é uma possibilidade. Isso permitiria a imposição de restrições de visto e possíveis sanções adicionais aos indivíduos nomeados.
Entretanto, a elaboração e atualização dessa lista são responsabilidades do Departamento de Estado dos EUA, em consulta com o Departamento de Justiça e outras agências relevantes, o que coloca a decisão sobre punir a tirania do STF e seus seguidores novamente nas mãos erráticas de Joe Biden. [Nota: novamente uma situação muito diferente sob Trump.]
Meu livro “Primavera Brasileira” está disponível na Amazon (em versões eBook e física), um livro de frases com a crônica do processo eleitoral (por falta de palavra melhor) que o Brasil sofreu em 2022.
O artigo excelente como esse recebe somente 20 láiques e um comentário(o meu)!
Isso para mim se trata do atestado definitivo da indigência politico-social em que esse país se encontra. Triste. Perda Total.
PS: As cenas engulhantes das festividades de carnaval de 2025 divulgadas nas redes sociais atuam como um carimbo oficial no corpo deste atestado.