Quando é o Natal? Na maior parte do Ocidente, é em 25 de dezembro, conforme o calendário gregoriano. Já para os Ortodoxos Russos, que seguem o calendário juliano, a data cai em 7 de janeiro. Mas, no calendário moraesiano dos novos democratas brasileiros, o Natal é em 8 de janeiro.
A origem dessa aberração cronológica ainda é objeto de acalorados debates entre os especialistas. Alguns sugerem que a narrativa natalina dos novos democratas tem raízes em antigos mitos pagãos, contos da carochinha como ‘O Impeachment da Dilma foi Golpe’ e ‘A Lava Jato foi uma Armação da CIA’. Outros citam evidências históricas que corroboram essa narrativa, como a chegada de três reis magos ao STF — Fachin, Toffoli e Dino — guiados por uma estrela decadente que surgiu no céu de Belém. Do Pará.
Há também a lenda do bom velhinho de vermelho, que brinca de Papai Noel às custas do contribuinte e sempre escapava impune. Bom, exceto por aquela vez em que acabou atrás das grades.
Outra influência pagã por trás dessa fantasia moderna é o jogo infantil de ‘pique-bandeira’. O mito sugere que, para derrubar o pujante Estado de Direito brasileiro do século XXI, bastaria uma turminha de desajustados invadir a Praça dos Três Poderes, aprontar altas confusões e se apoderar dos pertences da gaveta de um tremendo picareta.
Pichar com batom a estátua do STF seria o sinal para que as Forças Armadas reconhecessem a soberania daquela trupe mambembe e jurassem lealdade ao Cacique Tserere como comandante-em-chefe. O Congresso seria então dissolvido e substituído por uma junta militar liderada por Jair Bolsonaro, que retornaria triunfante de Miami, com a autoestima elevada após uma harmonização facial. Por pouco, a democracia brasileira não entrou em colapso em 8 de janeiro. Só faltou um táxi, segundo os documentos oficiais.
As fantásticas narrativas sobre o 8 de janeiro são, obviamente, um insulto à nossa inteligência coletiva, claramente elaboradas visando o ganho político barato. Assim como os japoneses criaram Godzilla para processar o trauma da devastação nuclear, os autoproclamados defensores da nossa democracia inventaram a narrativa do golpe como um mecanismo de negação do nosso holocausto moral.
Ao ver o mandato de Bolsonaro terminar — milagrosamente, talvez — sem a instauração de uma ditadura autocrática, nossos recivilizadores permaneceram entrincheirados em sua fixação, consumidos pelo desinteresse aparente dos presumidos fascistas. Assim como os tártaros de Italo Calvino, a ausência de um atentado real contra a democracia foi o verdadeiro tapa nas suas caras.
Temendo o anticlímax e constrangidos pela dificuldade em acreditar nas suas próprias mentiras, nossos salvadores da pária sentiram-se compelidos a inventar uma tragédia para preservar a pouca dignidade que imaginam possuir. Assim, 8 de janeiro tornou-se o dia em que ‘cruzamos o Rubicão’.
Traçar paralelos entre Roma e qualquer outra nação é muitas vezes tão equivocado quanto divertido. No entanto, a perspectiva de um levante populista causando pânico entre a elite dominante é muito atraente para ser ignorada.
Júlio César e Jair Bolsonaro, ambos considerados ‘patrícios’, nunca foram totalmente aceitos por seus pares, recorrendo ao populismo numa tentativa de desafiar o estado profundo unipartidário vigente. Ambos deixaram o poder pacificamente e se refugiaram em terras distantes, continuando extremamente populares, atraindo multidões e a inveja da classe política, que, nos tempos de ambos, se confundia promiscuamente com a classe jurídica.
Ambos foram alvos do lawfare. César, inclusive, foi acusado de ter convocado uma legião militar de forma ilegal, o que, no contexto romano, não é muito diferente de ser acusado de reunir os ‘Kids Pretos’ como ato de preparação para um golpe.
A história, frequentemente distorcida pelo viés de sobrevivência, pode pintá-los como arquitetos das tragédias de suas nações — César por destruir a República Romana, Bolsonaro por atentar contra a democracia à brasileira.
Mas Bolsonaro é um César que nunca atravessou o Rubicão. Seu verdadeiro crime o aproxima mais de Sócrates do que de César: o de corromper a plebe rude tupiniquim. Sua transgressão foi libertar uma classe trabalhadora cativa, condenando as antigas elites a se tornarem reféns de uma claque cada vez mais corrupta e autoritária, assombrada por paranoias sobre o bicho-papão debaixo da cama e movida por um sentimento de vingança pessoal. Alguns, nem tão secretamente, anseiam por um novo Idos de Março, agora em setembro de 2025.
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” — a vingança dos anjos decaídos é a verdadeira razão por trás da narrativa do golpe. Para aqueles não consumidos por ela, 8 de janeiro é apenas mais um dia, o oitavo dia do resto de nossas vidas. Quando a disposição renovada do Ano Novo já começa a esmaecer, com os dias se fundindo uns aos outros novamente. Um dia em que nem a Bastilha caiu, nem os Aliados invadiram a Normandia. Apenas mais um dia em que a Terra não parou. Para a infelicidade geral da nação.
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