Trump, Kafka e Sócrates Entram em um Tribunal
Sentimos falta de dias mais suaves, quando o pão era mais barato e o circo, pelo menos, engraçado
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O legado de Donald Trump dentro do Partido Republicano estará sempre em aberto. Embora ele conte com o apoio firme de grande parte da base republicana, são poucos os líderes do partido que o endossam completamente, com alguns ostentando a insígnia de ‘Never Trumper’ com mais orgulho do que preconceito.
A base de apoio republicano sustentando Trump não se compara à sólida muralha de ódio puro que os Democratas ergueram ao redor dele, tijolo por tijolo assentado com lealdade canina.
Nenhum democrata é indiferente a Trump. Não há posição de meio-termo, nem desprezo morno. Enquanto muitos republicanos podem traí-lo à primeira conveniência, os democratas sempre permanecerão inabalavelmente hostis. Podemos confiar que os democratas irão cuspir na cova de Trump, onde a ausência de flores será um testemunho silencioso do constrangimento republicano. Eles escreverão versos e prosas aterrorizantes sobre o ‘Monstro Laranja’ muito depois dele ter virado pó.
Esse tipo de lealdade não pode ser comprada, nem com dinheiro nem com cargos. E é a maior razão para acreditar que o legado notório de Trump perdurará.
Para os Democratas, Trump deve ser parado a qualquer custo. Ou então ele perseguirá a oposição, jogará ativistas dos direitos civis no xadrez, fará do racismo uma política pública, e talvez até inicie a Terceira Guerra Mundial. Felizmente para todos, nada disso aconteceu ainda, certo?
Tal cegueira apaixonada guia o espetáculo das batalhas legais de Trump, borrando as linhas entre verdade e imaginação de tal forma que separar fato de ficção poderia simplesmente adulterar a realidade.
Podemos ser tentados a achar que os problemas legais de Trump são ‘kafkianos’ — evocando imagens de práticas sombrias e tramas obscuras. Mas, exceto pelos sonhos febris de E. Jean Carroll, não há nada de kafkiano neles.
Não há grande mistério a desvendar, onde atribuir propósito, razão ou benefício torna-se uma tarefa impossível. Tudo está claramente exposto.
Os burocratas que comandam o espetáculo nem sequer têm a dignidade perversa de permanecerem anônimos
Desde promotores públicos eleitos com mandatos claros para perseguir Trump, até juízes que mal conseguem esconder seu desprezo por ele — não há labirintos vertiginosos para se perder aqui. Os burocratas que comandam o espetáculo nem sequer têm a dignidade perversa de permanecerem anônimos. Eles fizeram campanha por isso, estamparam seus rostos nos outdoors e ainda mandaram a conta para o contribuinte.
Confessaram uma perversão mais do que cínica dos ideais democráticos que eles ostensivamente prezam.
O título da obra-prima de Kafka sobre surrealismo judicial, O Processo, brinca com o significado da palavra ‘processo’, que pode ser uma ‘ação judicial’ ou o ‘processo’ por trás dela. É exatamente o segundo caso que se aplica a Trump. Não são apenas os casos judiciais que tentam prejudicá-lo; é todo o ‘processo’ tentando que quer destruí-lo.
Uma distinção importante existe, entretanto: nunca ficamos sabendo o suposto crime pelo qual Josef K., o protagonista de Kafka, é processado. O crime de Trump, por outro lado, é bem conhecido — e de natureza bastante socrática.
Sócrates foi famosamente acusado de ‘corromper a juventude’ de Atenas durante uma época em que a pederastia era uma forma elevada de arte — uma situação estranhamente semelhante à de hoje, onde o significado de ‘corromper a juventude’ foi, novamente, completamente invertido.
Trump, assim como outros populistas, também é acusado de um tipo similar de corrupção, embora sua ofensa mais flagrante — e bem-sucedida — envolva corromper a classe trabalhadora.
Como Sócrates, Trump é claramente culpado do que foi acusado
Como Sócrates, Trump é claramente culpado do que foi acusado. Assim como a antiga oligarquia acreditava que Atenas precisava ser purificada e reafirmada através da purgação de Sócrates, também a moderna oligarquia de Washington acredita que apenas pela purgação de Trump eles podem limpar seus corredores de poder.
Nestes tempos, onde o significado de ‘culpado’ foi subvertido, parece inevitável que o conceito de ‘inocência’ perderá qualquer significado.
Então, o que significa quando um júri (supostamente de seus pares) declara que Trump é ‘culpado’ no contexto de hoje? Isso já não importa mais.
À medida que os Democratas continuam a derramar cicuta num cálice que já transbordou faz tempo, Trump parece desenvolver um caso extremo de antifragilidade — quase uma espécie de antimortalidade. Sua lenda prospera não pela raiva de seus apoiadores, como se diz na imprensa, mas pelo anti-amor implacável de seus detratores.
Trump é o valentão vira-latas, um pitbull 100% americano — talvez com um topete de labrador — lutando contra um bando de chihuahuas histriônicos, tentando matá-lo por mil mordidas. Ele é um João de Santo Cristo. Exceto que, neste Faroeste Caboclo, João de Santo Cristo é meio Billy the Kid — mas, ainda assim, não tem como não torcer para que ele se vingue daquela bala nas costas.
Neste ponto, alguns vão dizer que isso tudo não passa de um monte de bobagem — e talvez estejam certos. No entanto, esse tipo de bobagem nunca poderia ser escrito sobre Joe Biden ou praticamente qualquer outro político. Trump é feito do material do qual os devaneios são feitos. E isso é irresistível. Ao contrário de Biden, ele não é apenas um homem de seu tempo; ele é o homem para estes tempos — quando as massas apenas querem o que parece impossível: que seu pão seja mais barato e seu circo, pelo menos, um pouco engraçado.
Ótima análise: uma crônica dos fatos com fundamentação impecável e esclarecedora, sobretudo àqueles que apontam o cisco no olho e não veem a trave do seu...
Parabéns