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São João Paulo II, em sua encíclica Fides et Ratio, de 1998, descreveu a fé e a razão como duas asas que elevam o espírito humano em direção à contemplação da verdade. Juntas, elas nos permitem resolver o que o biólogo Edward O. Wilson, um dos pais do humanismo secular, chamou de “real problema da humanidade”: conciliar nossas emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologia de um poder quase divino.
E assim, evoluímos. A filosofia colocou o homem biológico no centro destas questões – o homem de Protágoras, a medida de todas as coisas. A Igreja medieval o substituiu pelo homem metafísico, feito à imagem do Criador. Hoje em dia, o humanismo secular entregou estas questões à pretensão de um homem histórico – parte homo economicus, parte Übermensch: o Mr. Hyde que emergiu da sombra do Dr. Jekyll renascentista.
Ao passo que podemos entender a biologia e aspirar à metafísica, não podemos mudar nenhuma delas. A História, isso sim podemos mudar. O revisionismo histórico nos permite consagrar arquétipos particulares do homem conforme a conveniência. As emoções deste homem histórico não são primitivas; são iluminadas, buscando responder ao chamado do vazio com a força bruta da destruição criativa. Empenhando-se em erodir as rochas da realidade como se pudessem usar os escombros para construir uma verdade mais desejável. O vácuo, que a natureza abomina, tornou-se o motor da história.
O ‘paleolítico’ de nossas emoções, na citação de Wilson, significa ‘rocha primitiva’. O Livro do Gênesis nos fala de um mundo em progresso, onde o homem, outrora primitivo, é colocado no caminho em direção à verdade. Moldado do barro, com a espinha dorsal estendida expondo todos os seus órgãos vitais — e um cérebro que exige energia e tempo demais para se desenvolver — ele é arremessado contra as rochas de uma realidade hostil.
A civilização humana floresceu contra todo tipo de hostilidades, desde o flagelo original de Adão e Eva através de um sem-número de tragédias ambientais e humanas, até a resiliência e engenhosidade de Noé no prelúdio do dilúvio. De onde chegamos a Abraão e a fundação da aliança.
Então Deus Se fez um de nós. Um reformador, Ele não trouxe paz, mas uma espada. Se o Pai transformou barro em homem, o Filho transformou homem em rocha. Isso marcou uma progressão exponencial em nosso entendimento moral e espiritual, enfatizando amor, perdão e compaixão sobre o legalismo estrito que precedeu a espada. Nossa jornada foi de uma pequena seita de escolhidos para uma sociedade aberta que aspira à inclusão universal, rompendo radicalmente barreiras sociais e étnicas de longa data.
A história da Igreja é, portanto, uma história de progresso social e mudança. O progresso não é um elemento externo que precisa ser imposto à ferro e fogo, mas uma força interior que a Igreja desencadeou no mundo. Como São Paulo disse, mesmo que falemos as línguas dos anjos e dos homens, sem amor — sem espalhar o amor — nossa Igreja será um sino que dobra fazendo barulho, mas não música. Sem o amor pelo pecador, não pelo pecado.
Neste momento, enquanto o velho mito de que a Igreja se opõe à ciência está morrendo, surge um novo mito — construído por sua própria hierarquia: a Igreja como inimiga do progresso social. Isso é perigoso. Corre o risco de transformar a Igreja de instrumento de Deus moldando o mundo em um instrumento do mundo moldando nossa fé, pregando a um rebanho narcisista que busca liderar em vez de seguir.
Papa Francisco é um homem desta era. Um homem simples, mas com gostos complexos. Iluminado, ele vê sua Igreja como um navio lentamente afundando, à deriva em uma tempestade de progresso. Ele se conforta com a atenção, o propósito e a dignidade improvisada concedida por grupos auto interessados, que se prontificam a ‘ajudá-lo’ a manobrar o navio. Ele segue preso no perpétuo presente, debitando mais do Papado do que credita.
Papa Bento XVI previu esta era, antevendo sacerdotes reduzidos a assistentes sociais, e a fé a uma visão política. Papa Francisco parece ansioso para fazer dessa visão uma realidade, transformando uma Igreja de santos e eruditos em uma de gerentes regionais com delírios de grandeza, negociando dissídios entre os nobres selvagens da Terra e o tirano benevolente no Céu.
O sacramento da confissão foi terceirizada da Igreja para a farmácia. “Tome um Valium e dois Zolofts. Essa é sua penitência, vá em paz”, dizem nossos confessores modernos de jalecos brancos. O ritual é semelhante: a pobre alma entra, cabeça baixa, falando baixinho, carregando culpa não muito diferente da de um católico devoto que perdeu a missa no último domingo. Só que agora, a redenção vem convenientemente embalada em uma caixa de comprimidos.
A adoração ao Criador voltou-se para a adoração à criação. Uma celebração do momento, não do eterno. Homens que antes primeiro alcançavam a grandeza, para depois escreverem sobre ela, agora escrevem extensivamente sobre feitos inatingíveis, para justificar seus fracassos antecipadamente. A encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, como a maioria das coisas relacionadas às ‘mudanças climáticas’, é um exemplo disso.
Em sua encíclica Fratelli Tutti sobre imigração, o Papa ignora um ponto crítico: ele está certo de que a Igreja não conhece fronteiras, mas esquece que o que serve a Deus nem sempre serve a César. E até o próprio Vaticano protege suas fronteiras. Rigorosamente.
O silêncio do Papa, ou na melhor das hipóteses, seus protestos discretos sobre questões sérias como a perseguição do FBI aos católicos tradicionais, o encarceramento do clero na Nicarágua, ou a proibição da oração pública do Rosário na Espanha, fala muito mais alto do que sua pregação.
Suas ações revelam seu temor a todos aqueles que, carregados com peso moral, ameaçam afundar seu navio imaginário. Homens como o Cardeal Raymond Burke, que lideram com rara clareza moral em questões que vão desde a sinodalidade até o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Talvez principalmente nas relações entre a Santa Sé e a China.
O Cardeal Burke se reporta a Deus, não à Conferência dos Bispos, por sua própria admissão. Papa Francisco vê nesta atitude o potencial para ‘desunião’. Certamente, quando você está se desviando do curso, qualquer um tentando guiá-lo de volta está interrompendo a marcha uniforme em direção ao vácuo. O Cardeal Burke enfrentou a expulsão por Francisco por essa mesma razão. Ele escolheu permanecer no caminho, conhecendo o custo.
O Bispo Joseph Strickland, do Texas, sofreu um destino similar por sua defesa da Missa Tridentina. O Vaticano investigou sua diocese, mas nunca divulgou quaisquer conclusões. Quando instado a renunciar, o Bispo Strickland não desistiu; então o Papa Francisco o removeu.
Outros também sentiram a indignação terrena de Francisco. Os Cardeais Schneider, Sarah, Müller e o Arcebispo Gänswein — que reiteraram a verdade e fizeram perguntas difíceis. Em contraste, o Cardeal Schönborn transformou-se de uma rocha em algo como uma esponja, absorvendo tudo o que é mundano, nada menos que um milagre realizado por Francisco. Seja por favores ou porque homens nascidos em castelos tendem a lutar batalhas diferentes daquelas do Menino nascido na manjedoura.
Mas Papa Francisco parece esquecer que o fogo de sua indignação é o mesmo que forjou o legado dos grandes dentro da Igreja. E está forjando cada tijolo que sobe nos novos mosteiros Beneditinos, reacendendo o fogo dos católicos tradicionais pegando seus rosários (talvez pela primeira vez) e frequentando as cada vez mais populares Missas Tridentinas. A chama que ilumina os caminhos de jovens padres cada vez mais conservadores.
Papa Francisco ignora que fé e razão não se chocam; elas se combinam – construindo sobre a rocha, não desgastando-a; ele confunde a Igreja por um navio à deriva, colidindo contra as rochas da realidade. Mas a Igreja é a rocha, não o navio. Francisco, como sucessor de Pedro, deveria saber disso. E deveria banir as serpentes que aquecem suas peles, banhadas por um deus-sol pagão, contra a sua própria rocha: a instituição medieval guiando nossas emoções paleolíticas em direção a algo mais elevado já há dois mil anos.
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