O Fim de Moraes e o 'Magnitsky Act'
Lei americana contra o abuso de poder tem alcance global e já penalizou juízes eleitorais na América Latina
A estratégia adotada por um grupo de congressistas e ativistas brasileiros para buscar o apoio do Congresso americano no intuito de conter os excessos do Judiciário no Brasil está mostrando resultados positivos.
À primeira vista, este esforço pode parecer fútil, uma vez que o Congresso americano não possui jurisdição sobre o Brasil — algo que, felizmente, é um fato a ser comemorado. No entanto, essa mesma limitação jurídica permite que os autocratas instalados no Judiciário brasileiro, há muito blindados contra a vergonha e a decência, perpetuem seus atos impunemente, protegidos pela sensação de estarem acima da lei.
Discute-se muito sobre a imposição de sanções comerciais ao Brasil como forma de pressionar o Judiciário. Contudo, essa tática não apenas é contraproducente, pois prejudica a economia nacional e afeta a população que não tem relação nenhuma com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), mas também é complexa e arriscada de implementar.
A alternativa mais viável seriam sanções direcionadas às pessoas físicas, como o ministro Alexandre de Moraes, que tornou-se o símbolo global da discricionariedade e abuso de poder judicial que caracterizam a Justiça brasileira neste momento.
A boa notícia é a existência do ‘Global Magnitsky Act’ (ou a ‘Lei Magnitsky Global’), um mecanismo da lei americana criado exatamente com esse propósito. Essa lei permite que o governo dos Estados Unidos imponha sanções, incluindo o bloqueio de ativos e a proibição de entrada em solo americano, a oficiais de governos estrangeiros envolvidos em corrupção e em violações graves dos direitos humanos.
Essa seria uma estratégia capaz de impactar significativamente os tiranos togados que dominam o país, sem prejudicar o povo brasileiro.
A Lei Magnitsky e seu alcance global contra a tirania
A aplicação da Lei Magnitsky não é novidade na América Latina ou em outras regiões do mundo. Em 2018, por exemplo, os Estados Unidos sancionaram diversos oficiais da Nicarágua, incluindo juízes e promotores, por seu envolvimento nos abusos de direitos humanos durante a repressão a protestos anti-governistas.
Na Guatemala, o Departamento de Estado dos EUA aplicou severas sanções ao sistema judicial, destacando-se o caso do juiz de tribunal penal Fredy Orellana, penalizado por “formular acusações criminais politicamente motivadas e infundadas” contra o jornalista José Rubén Zamora, condenado por Orellana a seis anos de prisão. Uma situação diretamente comparável com a perseguição de jornalistas brasileiros como
e Oswaldo Eustáquio, orquestrada por figuras como o ministro Alexandre de Moraes.Foi o mesmo Orellana quem ordenou a suspensão do partido de oposição Semilla, apesar da constituição da Guatemala proibir a suspensão de partidos políticos durante o período eleitoral. Um ato que encontra paralelos notórios com a declaração de inelegibilidade de Jair Bolsonaro, a remoção de Deltan Dallagnol de seu cargo e as tentativas contra Ibaneis Rocha e Sergio Moro.
A promotora Cinthia Monterroso, envolvida no caso Zamora, teve seu visto americano cancelado, o que sugere que outros oficiais envolvidos em perseguições político-judiciais no Brasil também poderiam ser alvo de sanções.
Em outras instâncias, os EUA impuseram proibições de visto e outras sanções a membros do judiciário venezuelano, acusados de comprometer o processo democrático ou de envolvimento em corrupção.
A decisão de sancionar 17 oficiais sauditas após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018, sob a mesma lei, ilustra a adaptabilidade da Lei Magnitsky em contextos diversos onde as liberdades fundamentais são violadas. Um exemplo que se assemelha à trágica morte de Cleriston Pereira da Cunha, detido na Papuda mesmo com parecer de soltura emitido pelo MPF há meses.
Recentemente, o Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA instou o presidente Joe Biden a se pronunciar sobre a imposição de sanções ao General Mohamed Hamdan ‘Hemedti’ Dagalo, do Sudão, acusado de graves violações dos direitos humanos.
Portanto, o precedente internacional para a aplicação da Lei Magnitsky é sólido e reflete uma tendência crescente de responsabilização transnacional. No Brasil, com acusações semelhantes de abuso de poder pelo Judiciário, essas experiências internacionais poderiam orientar ações para garantir que a justiça prevaleça, mesmo quando instituições locais se mostram falhas.
Assim, embora os Estados Unidos não possam afetar diretamente o STF, ainda têm o poder de impor um estresse considerável aos tiranos. Isso eliminaria as oportunidades de fazerem palestras patrocinadas por João Dória em Nova York, de viajarem em cruzeiros para Miami ou de realizarem seu passeio anual à Disney World.
Além disso, um ministro do Supremo sancionado por violações de direitos humanos e corrupção eleitoral colocaria o Congresso brasileiro numa posição delicada, caso se recuse a considerar um processo de impeachment.
EUA poderiam aplicar sanções pessoais aos membros do STF
Mas um gatilho é necessário, e talvez isso explique a hesitação do STF em confrontar Elon Musk diretamente. Se decidirem bloquear o X/Twitter no Brasil, aplicarem pesadas multas que levem a empresa à falência ou prenderem algum representante do X com base em uma ordem judicial ilegal, isso talvez pudesse ser o estopim do processo.
Um entrave à aplicação da Lei Magnitsky no Brasil está no fato de que a autoridade para impor sanções sob essa lei pertence ao presidente dos Estados Unidos, atualmente o democrata Joe Biden, que delega tal poder aos Secretários de Estado e do Tesouro. Por sua vez, o Office of Foreign Assets Control (OFAC) gerencia a implementação dessas sanções.
É sabido que Biden tem interesse em preservar o status quo político brasileiro, demonstrando uma preferência clara por Lula em detrimento de Bolsonaro ou outros políticos mais à direita. Além disso, sua administração já foi acusada de auxiliar nos esforços para restringir a oposição no Brasil, potencialmente interferindo nas eleições.
A inclusão de oficiais brasileiros na Lista Engel, formalmente conhecida como ‘Seção 353 Lista de Atores Corruptos’, é um possível primeiro passo para a imposição de sanções pessoais. Embora esta lista vise especificamente indivíduos de El Salvador, Guatemala e Honduras envolvidos em corrupção significativa ou na obstrução de investigações sobre corrupção, sua expansão para incluir o Brasil é uma possibilidade. Isso permitiria a imposição de restrições de visto e possíveis sanções adicionais aos indivíduos nomeados.
Entretanto, a elaboração e atualização dessa lista são responsabilidades do Departamento de Estado dos EUA, em consulta com o Departamento de Justiça e outras agências relevantes, o que coloca a responsabilidade de punir a tirania do STF e seus seguidores novamente nas mãos erráticas de Joe Biden.
As eleições americanas podem ser a chave para restaurar a democracia brasileira
Aqui entra a importância do resultado das eleições americanas, que ocorrem em novembro, para a restauração da ordem democrática no Brasil. Uma vitória de Trump, acompanhada pela eleição de um Congresso de maioria republicana, seria o cenário ideal. Atualmente, a presença de Joe Biden na presidência e o controle democrata no Senado, aliados à frágil maioria republicana na Câmara dos Deputados, limitam a capacidade de lideranças como Mike Johnson de avançar com agendas mais assertivas em termos de política externa.
É interessante notar que até republicanos abertamente isolacionistas, como Matt Gaetz e Marjorie Taylor-Greene, expressaram oposição às ações opressivas do Judiciário brasileiro. Eles são conhecidos por desafiar frequentemente o establishment republicano, o que sugere uma união mais ampla dentro do partido em favor de uma resposta a tais abusos.
Por outro lado, uma reeleição de Biden poderia reorientar o foco dos republicanos no Congresso para questões domésticas, e qualquer investigação sobre a perseguição à oposição no Brasil provavelmente avançaria apenas se ligada a tentativas de impeachment contra Biden, especialmente se evidências de interferência de sua administração nas eleições brasileiras forem confirmadas.
Esse processo seria semelhante ao ocorrido no primeiro mandato de Donald Trump com o caso da Ucrânia, que resultou em seu primeiro impeachment. Naquela ocasião, entretanto, os democratas acusavam Trump de instigar os ucranianos a interferir nas eleições americanas, ou seja, no sentido contrário do caso brasileiro — mas também sem muita preocupação com os fatos.
Tal cenário relegaria a segundo plano iniciativas como a aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras, independentemente das evidências de corrupção ou abuso de direitos humanos.
Lula e Moraes tornam o Brasil cada vez mais tóxico no palco global
De toda forma, a aplicação da Lei Magnitsky no contexto atual parece improvável. Não por falta de mérito nas acusações, mas porque essas medidas não são vistas como prioridades para o governo Biden. Atualmente, Biden está focado em questões mais estratégicas para sua reeleição, especialmente o preço do petróleo. Isso explica o esforço de seu governo em se aproximar de países como Venezuela e Arábia Saudita e aliviar sanções.
Além disso, as sanções impostas à Rússia revelaram-se onerosas para os Estados Unidos e seus aliados do G7, inclusive influenciando a decisão desastrosa de Biden de levantar sanções contra o Irã, o que resultou em uma instabilidade geopolítica sem precedentes no pós-Guerra Fria. Neste cenário, parece ainda menos provável iniciar um novo front de sanções comerciais contra o Brasil, um país que não afeta diretamente os interesses vitais americanos e onde Biden mantém relações diplomáticas positivas com o governo de Lula.
No entanto, existem fatores que podem levar a uma reavaliação dessa postura. A proximidade de Lula com regimes como Irã, Rússia e China, e suas ações, como permitir o abastecimento de navios de guerra iranianos em portos brasileiros, a compra de petróleo russo desafiando sanções internacionais, e seu apoio aos esforços da China de enfraquecer o dólar, representam pontos de tensão. Essas ações têm sido criticadas abertamente por figuras como John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, que acusou Lula de ecoar propaganda russa e chinesa.
Outras circunstâncias, como a ação judicial movida pela Procuradora Geral de Nova York, Letitia James, contra a JBS — a gigante do setor de carnes fortemente vinculada a Lula, inclusive em seus escândalos de corrupção —, e a recusa das autoridades americanas em prender o jornalista brasileiro Allan dos Santos, apesar de sua inclusão na lista vermelha da Interpol a pedido de Moraes, também indicam possíveis pontos de inflexão.
Finalmente, o declínio do soft power brasileiro, evidenciado pela perda de prestígio em fóruns internacionais devido às posições do regime de Lula sobre questões na Ucrânia e em Gaza, e as críticas recebidas de veículos porta-vozes do establishment global como The Economist, The New York Times, Financial Times e The Wall Street Journal, sinalizam um Brasil cada vez mais vulnerável em termos de política externa.
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