Metacapitalismo — do Totalitarismo e Revolução ao ESG e o “Great Reset”
Feminismo, aquecimento global, ideologia de gênero, aborto… se esses temas estão em voga, é porque alguém está ganhando dinheiro com eles
“O patriotismo é o último refúgio de um canalha.”
Samuel Johnson
O ensaísta inglês Samuel Johnson (mais conhecido hoje em dia por seus memes) nunca teve a intenção de condenar o amor incondicional que alguns sentem por seu país. Em vez disso, ele denunciava o desejo egoísta e mesquinho por poder de certos grupos de interesse, que transformavam o senso patriótico de comunidade em um esprit de corps tribalista.
Quando Johnson pronunciou essas palavras, o telégrafo ainda não havia sido inventado. Demorava-se 30 dias para ir de Londres a Nova York. Era um mundo controlado pelo que podemos chamar de “governo vertical” dos estados-nação: o domínio soberano sobre um território, uma língua e uma cultura. No mundo de hoje, estamos caminhando rapidamente para o “governo horizontal” das organizações supranacionais — que buscam aparar todas e quaisquer arestas culturais, se não eliminá-las completamente.
O Chauvinismo Reencarnado como Identitarismo
“Os metacapitalistas são os macroinvestidores que ficaram tão incrivelmente ricos pelo jogo capitalista que de alguma forma o transcenderam e não aceitam mais os riscos do livre mercado”
Olavo de Carvalho
Em tal mundo, onde o globo — ou ao menos o hemisfério ocidental — é o território comum, o dinheiro é a linguagem comum e o secularismo humanista, a cultura comum; O ESG visa tornar-se a lei comum. O chauvinismo que Johnson denunciou no passado agora se transformou em identitarismo globalista. E o globalismo tornou-se o último refúgio do canalha corporativo.
O globalismo tornou-se o último refúgio do canalha corporativo
Foi-se o tempo em que as instituições multilaterais eram instrumentos para a difusão da democracia e da paz, facilitando a livre circulação de pessoas e o livre comércio de mercadorias. Invadindo cada vez mais a vida dos cidadãos, o Leviatã supranacional é agora, de fato, uma nova esfera do governo.
Em um esforço para minar as constituições democraticamente elaboradas ‘de baixo para cima’, o Globalismo procura impor suas leis por meio de recomendações e resoluções internacionais elaboradas — ‘de cima para baixo’ — por burocratas anônimos não-eleitos, que trabalham para o projeto supranacional: eliminar os estados-nação e arquitetar uma nova classe dominante transnacional através de engenharia social.
A unidade atômica da burocracia globalista é a mistura de um burocrata e um demagogo: um burogogo. Alguém cegamente empenhado em avançar a ideologia globalista, expandindo sua burocracia para níveis kafkianos, tornando-a quase impossível de ser revertida. Uma tentativa clara de vencer pela confusão.
No limite, a democracia é o regime onde o povo escolhe a classe política; na plutocracia global, a classe política é quem escolhe o povo. Um caso ilustrativo é o referendo sobre a legalização do aborto na Irlanda, em 2018. Promulgado por uma auto-intitulada “Assembleia Cidadã” — um grupo de 99 cidadãos escolhidos pelos políticos através de um processo pouquíssimo transparente — o referendo acabou sendo bem-sucedido graças à ajuda das Big Tech. O objetivo do metacapitalista é uma democracia sem povo, como bem observou Olavo de Carvalho.
O objetivo do metacapitalista é uma democracia sem o povo
Virando a Chave: da Globalização ao Globalismo
A “alegoria do lápis” de Milton Friedman encapsula brilhantemente o apelo elegante do capitalismo globalizado: um mecanismo ultra-eficiente para disseminar o livre-mercado e permitir que a humanidade atingisse os padrões de vida inimaginavelmente altos que temos hoje em dia:
Seu raciocínio é à prova de balas no mundo sem atritos que o homo economicus habita. Mas perde muito de seu apelo em um mundo sequestrado por interesses corporativos transnacionais. Para mim foi muito difícil entender isso, e essa é a razão pela qual sou um conservador, e não um libertário. Podemos até identificar o momento exato em que seu argumento sai dos trilhos:
“Por isso o funcionamento do livre mercado é tão essencial, não só para promover a eficiência produtiva, mas, mais ainda, para fomentar a harmonia e a paz entre os povos do mundo”
Aqui, um dos maiores gênios do século XX aparentemente trai sua própria doutrina de que “a responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”. Se isso for verdade, então a responsabilidade social dos mercados é aumentar a eficiência. Ponto final. A promoção da harmonia e da paz deve ser deixada para os sistemas morais e políticos.
Ele também aparentemente ignora o conselho de Adam Smith — o qual Friedman cita no próprio vídeo — que observou que:
“Pessoas do mesmo ramo raramente se reúnem, mesmo para confratenizar e e se divertir, sem que a conversa termine em uma conspiração contra o público, ou em algum artifício para aumentar os preços”
Na ausência de padrões morais comuns e objetivos, a Globalização tornou-se o canto da sereia do Globalismo, levando-nos a terceirizar nosso processo democrático, desvalorizar nossa comunidade cultural e corromper nossos padrões morais como resultado. Também podemos apontar alguns marcos importantes da decadência da Globalização: a entrada da China na ONU (incluindo no Conselho de Segurança) e na OMC; e a UE sequestrando a moeda, os tribunais e os sistemas políticos de nações outrora soberanas e independentes na Europa; são dois dos principais marcos.
Em termos de semiótica, demos à Rússia a Copa do Mundo e as Olimpíadas de Inverno; os Jogos Olímpicos de Verão para Pequim e uma Copa do Mundo para o Catar — em estádios construídos por trabalho escravo, assim como nossos iPhones. Se normalizar ditaduras brutais é um preço aceitável para termos acesso a eletrônicos baratos, imagine o tipo de barganha que as elites globais não estão obtendo ao operar em nossas frágeis democracias.
A Social-Democracia Evolui Para o Metacapitalismo
“Bella gerant alii, tu felix Austria nube (que outros façam guerra, tu, feliz Áustria, casa-te)”
Casa de Habsburgo, lema não-oficial
A Casa de Habsburgo foi provavelmente a dinastia europeia mais bem sucedida da história. Sua abordagem inovadora para a construção de um império provou ser muito superior à custosa arte da guerra; no centro, estava um sistema proto-metacapitalista que criava reservas de mercado por meio de conluio supranacional, garantindo um fluxo constante de tributos de seus vassalos.
Essa estratégia surgiu da percepção de que a melhor maneira de garantir que você sempre ganhará um jogo não é sendo o dono do tabuleiro ou das peças; mas sim sendo o dono do livro de regras.
A melhor maneira de garantir que você sempre ganhará um jogo não é sendo o dono do tabuleiro ou das peças; mas sim sendo o dono do livro regras
O truque dos Habsburgos dificilmente se perdeu no tempo. O Estado Corporativo de Mussolini e o Beamtenstaat de Hitler — com a ressalva de que ambos eram regimes revolucionários, em oposição ao conservadorismo dos Habsburgos — foram reencarnações do mesmo princípio, mas embebidos com a idéia da “revolução permanente” desenvolvido por Marx e Engels.
Trotski, no entanto, fornece a melhor interpretação da “revolução permanente” como uma ponte entre o mundo corporativo e o comunismo: para que a nova estrutura econômica seja bem-sucedida, ela precisa infiltrar as estruturas verticais de poder dentro dos estados-nação (governos, corporações, sindicatos, universidades, mídia) e criar uma camada de “governo horizontal” transnacional acima delas; o mesmo socialismo totalitário na raiz do fascismo e do nazismo, está na raiz do ESG.
O mesmo socialismo totalitário na raiz do fascismo e do nazismo, está na raiz do ESG
É inegável que, para o bem ou para o mal, o Corporativismo de Mussolini inspirou grande parte do direito societário atual. Era apenas uma questão de tempo até que sua ideologia totalitária subjacente encontrasse seu caminho como um objetivo estratégico primordial da corporação pragmática moderna. Daí a adoração corporativa artificial do “mês do orgulho LGBT” no qual entramos, por exemplo.
Em vez de controlar as empresas por meio do livro de acionistas, o cartel globalista agora busca controlá-las por meio do Conselho de Adminstração— assim como Mussolini e os nazistas fizeram. E os padrões de ESG estão criando o livro de regras para este jogo.
O Lucro como Pecado Original, ESG como A Indulgência da Nova Era
A justificativa para o Estado intervir nos negócios privados está enraizada na ideia totalitária/revolucionária de que “os ricos só enriquecem explorando os pobres”, conceito desenvolvido politicamente pela primeira vez por Nicolau Maquiavel (e adotado por Mussolini, Hitler e tipos variados da esquerda contemporânea), que não teve vergonha de usá-lo como uma ferramenta para afirmar o poder político:
“Que os homens sobem de fortunas humildes a altas mais pela fraude do que pela força”
Nicolau Maquiavel, Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio
“Taxem os ricos!”, “Nós somos os 99%!”, esses são gritos de guerra que soariam muito familiares para aqueles envolvidos tanto com a Kristallnacht quanto com as invasões violentas do MST… “nenhum de nós é ganancioso, é sempre o outro que é ganancioso” é um bom resumo desses cânticos, nas palavras do próprio Milton Friedman. Não é difícil ver, no entanto, que essas idéias são um produto da teoria marxista, que vê o trabalho como a única fonte de valor, sem levar em conta o empreendedorismo ou a tomada de riscos.
Essas tendências totalitárias foram mantidas sob controle nos últimos 80 anos até a ascensão de um escalão de megacapitalistas que estão dispostos a chutar a escada do livre mercado para proteger sua participação na estrutura de poder global.
A convergência dessas tendências criou um novo consenso, um casamento entre uma nomenklatura socialista que superou a revolução violenta e uma elite metacapitalista que superou a competição desordenada: uma nova versão do capitalismo de compadrio que, em vez de maximizar os lucros, busca minimizar a dissidência. Em um mundo hiperconectado, onde restam poucos mercados a serem explorados, o bolo cresceu em toda a sua extensão, agora é hora de dividi-lo.
E aqueles que se julgam, em seus delírios, excluídos da “acumulução primitiva do capital” estão com a faca e o queijo nas mãos.
Uma nova versão do capitalismo de compadrio que, em vez de maximizar os lucros, busca minimizar a dissidência
Este é o Great Reset — ou “capitalismo de stakeholders” –, em poucas palavras: um devaneio de trotskistas que dormem nos lençóis de linho da família Rockefeller.
Eliminando a Fronteira entre o Poder Político e o Econômico
O marxismo é antes de tudo uma filosofia da história, não uma filosofia da economia. A chamada contribuição de Marx para o campo da história é conhecida como “materialismo histórico” (se este é apenas um derivado do historicismo de Hegel está fora do escopo deste artigo).
Desde Tucídides, a história foi definida como a história das guerras e a biografia dos grandes homens. Isso começou a mudar durante o chamado período do Iluminismo; e — como a maioria das coisas “esclarecidas” — acabou em desgraça, com a visão de mundo marxista se tornando hegemônica: a história agora é a história das lutas de classes.
A prevalência do materialismo histórico redefiniu as estruturas de poder social, completando a passagem de um processo decisório concentrado e objetivo para um processo disperso e subjetivo. Isso, é claro, criou a aparência de um poder político mais distribuído. Mas isso só é correto quando falamos de poder nominal. O poder político real, como em qualquer sistema socialista, agora está centralizado na nomenklatura, criando um paradoxo onde quanto mais disperso o poder político fica, mais centralizado ele se torna.
Nomenklatura aqui, é claro, é uma referência aos altos escalões da burocracia da União Soviética; mas há muitos exemplos de nomenclaturas modernas: a Comissão da UE, todos os comitês anônimos da ONU, a infinidade de ONGs agindo sem fiscalização, o Partido Comunista Chinês, a autarquia russa e a maioria dos governos parlamentares na Europa.
Um paradoxo em que quanto mais disperso o poder político fica, mais centralizado ele se torna
Nos mercados livres capitalistas, o processo de alocação de capital (ou seja, poder econômico) oferece um contrapeso ao poder político, com o capital sendo alocado de acordo com seu retorno financeiro esperado. No mundo materialista histórico e metacapitalista, a fronteira entre poder político e econômico é eliminada, com o aumento da interferência do Estado fazendo com que o capital seja alocado de acordo com seus retornos de poder político esperados.
Com razão, então, as nomenklaturas globalistas identificaram o ESG como uma oportunidade secular de canalizar retornos econômicos em retornos de poder político e, portanto, contornar o processo democrático.
Tomada de Decisão Algorítmica
Nada representa mais a luta pelo controle sobre as rédeas do metacapitalismo do que a corrida armamentista em torno dos algoritmos de inteligência artificial (IA). No velho mundo, um exército representava o poder, depois os mercados e indústrias representavam o poder e agora os algoritmos representam o poder.
Como Virgílio (“conhecimento”) guiando Dante pelo Inferno, os algoritmos visam guiar nosso livre arbítrio por um mundo que perdeu o propósito, uma sociedade que se tornou secular, humanista e desprovida de significado. Mas, em última análise, é Beatriz (“amor”) que guia Dante ao paraíso. Na ausência de amor, a razão torna-se uma mera tentativa de adivinhação (precognição).
Na ausência de amor, a razão torna-se uma mera tentativa de adivinhação
Mas lembre-se, o objetivo é minimizar a dissidência. Por isso, é útil ter a precognição dos resultados, reduzindo a incerteza. E não há melhor maneira de obter precognição do que sequestrar as sinapses das pessoas para que você possa influenciar seu comportamento. A teoria psicológica do valor.
Na IA, “pesquisa de grade” é o processo de escanear (seus) dados para configurar os parâmetros ideais do modelo visando um determinado resultado (ou seja, seu comportamento). Como aumentar sua propensão a apoiar o aborto? Ou as mudanças climáticas? Ou ESG? Ou as cotas? Eles pesquisarão você em grade e nem te darão o direito de permanecer calado.
Eles pesquisarão você em grade e nem te darão o direito de permanecer calado
ESG é a política industrial que rege essa linha de montagem sináptica. Assim como as terras agrícolas foram para o feudalismo e os recursos naturais para o capitalismo primitivo; a influência cognitiva é o recurso escasso mais valorizado na economia metacapitalista.
E assim como a IA, o ESG é uma ferramenta de impacto disfarçada de instrumento de precisão, tornando o sistema mais robusto e menos propenso a variabilidade no curto prazo. Minimizando a dissidência. Aumentando a precognição.
“Porque Escrevo Livros Tão Bons”
“Um dia haverá necessidade de instituições nas quais as pessoas vivam e ensinem como eu entendo viver e ensinar”
Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Porque Escrevo Livros Tão Bons
Nietzsche é indiscutivelmente o melhor intérprete (mesmo que incidentalmente) da revolução permanente. Afinal, ele é o “novo filósofo” que está guiando o Übermensch. No capítulo de seu Ecce Homo intitulado exatamente “Porque Escrevo Livros Tão Bons”, Nieszche prediz que um dia seus escritos estariam guiando as instituições. Ele estava certo.
Mas o fascínio niilista nietzschiano não é novidade, é apenas o outro lado da moeda do malthusianismo. E a linha que conecta as duas filosofias é a ideia do l’appel du vide, o chamado do vazio, o impulso de destruir o que não entendemos ou não podemos controlar.
É fácil ver o l’appel du vide por trás de outros fenômenos, como a ideologia de gênero. Indivíduos confusos, ignorantes — e muitas vezes semi-analfabetos — sacrificando a linguagem e a biologia no altar do niilismo. Escrevendo livros no vazio.
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine”
São Paulo, Primeira Epístola aos Coríntios 13:1
São Paulo advertiu os coríntios sobre livros escritos no vazio. E isso serve de alerta também para os metacapitalistas. Primeiro, você pode sinalizar a virtude usando ESG o quanto quiser, isso não significa que as pessoas não serão capazes de ver através da sua dissimulação imoral.
E segundo, quanto mais as nomenklaturas ESG se distanciarem do objetivo de bem público da ESG (ou seja, internalizar externalidades) e se moverem em direção ao objetivo totalitário de construir a sua versão de um “mundo melhor”, mais elas estarão pregando ao vento porque as pessoas saberão que não há verdade em suas palavras ou em seus atos.
Não é de admirar, portanto, que o oposto de um burogogo seja chamado de populista hoje em dia (se a direita e os conservadores devem abraçar essa definição, é um outro problema).
Este é mais um exemplo de entropia reversa no mundo moderno: a classe política moldando o povo e uma nomenklatura supranacional determinando nossos padrões morais. O campo de batalha da história mudou das guerras para a política e agora para as identidades. Da “honra, medo e interesse” de Tucídides; para maximizar o bem-estar; para minimizar a dissidência. Cabe ao povo não deixar que nossos livros de regras sejam escritos no vazio.
Honra, medo e interesse -> Maximizando o bem-estar -> Minimizando a dissidência