Cuidado com as Coisas que se Dizem ‘Ciência’
Ou porque as ‘mudanças climáticas’ são a razão pela qual temos um bilhão de gêneros hoje em dia
Nota: Infelizmente, esta semana precisei lidar com um imprevisto na família. Por isso, estou republicando um artigo antigo de que gosto muito. Mas não deixem de conferir as frases da semana (inéditas) na Gazeta do Povo!
A verdade perdeu sua relevância. Em uma época em que é mais importante estar “moralmente” certo do que ser fatualmente preciso, as pessoas estão cada vez mais inclinadas a considerar como verdade o que elas consideram ser a versão mais socialmente aceitável da realidade, e não o que elas estão convencidas de ser verdadeiro.
Mas isso não é novidade. A novidade é que tal atitude não está mais afligindo apenas os inocentes úteis ou os analfabetos funcionais. Está afligindo nossos principais cientistas e comprometendo o progresso científico como um todo. Você tem alguma dúvida disso? Vamos olhas as provas:
A física teórica Sabine Hossenfelder, do Instituto para Estudos Avançados de Frankfurt, diz que “ninguém no mundo da física ousa admitir, mas a corrida para inventar novas partículas é inútil,” complementando que “em conversas privadas, muitos físicos admitem não acreditar que as partículas que são pagos para pesquisar sequer existam —eles apenas o fazem porque seus colegas também o estão fazendo.”
Um estudo recente de dois pesquisadores chineses estabeleceu que, nos últimos 50 anos, a linguagem da literatura científica perdeu rigor, dando espaço para uma linguagem mais emotiva e que diminui a credibilidade da comunicação científica:
“Os resultados mostraram que um número crescente de adjetivos e advérbios foi usado e a legibilidade de textos científicos diminuiu nos anos examinados. Mais importante, o uso de adjetivos e advérbios de emoção também demonstrou uma tendência ascendente, enquanto o de adjetivos e advérbios sem emoção não aumentaram”
Wen, J. & Lei, L.
Mas não é só isso, Richard Horton — o editor de longa data do The Lancet — reconheceu que:
“grande parte da literatura científica, talvez a metade, pode simplesmente ser falsa. Afligida por estudos com amostras pequenas, efeitos minúsculos, análises exploratórias inválidas e conflitos de interesse flagrantes, juntamente com uma obsessão por seguir tendências da moda de importância duvidosa, a ciência deu uma guinada para o obscurantismo. Como disse um participante, ‘métodos ruins dão resultados’.”
A imprudência metodológica e o viés metódico que Horton destaca se refletem diretamente na utilidade da pesquisa científica contemporânea. Ou inutilidade, melhor dizendo. Os pesquisadores Ludo Waltman e Vincent Larivière relataram na Nature que muitos artigos científicos recebem apenas uma ou duas citações, e muitas vezes não são nem citados.
Além disso, sua pesquisa mostra que as taxas de não-citação entre artigos científicos estão caindo, mas isso pode ser devido a acadêmicos incluindo referências desnecessárias em seus trabalhos — já que “muitas citações são bastante supérfluas” — ou simplesmente trocando citações superficiais uns com os outros.
Quando a ciência, que é o que sabemos ser verdade, é produzida e consumida como um fast-food revisados por pares, a verdade se torna barata e o conhecimento, uma mercadoria.
Quando a ciência, que é o que sabemos ser verdade, é produzida e consumida como um fast-food revisados por pares, a verdade se torna barata e o conhecimento, uma mercadoria
A Maldição Científica
“É sempre das coisas que se dizem ‘ciência’ que você deve ser cético”
Peter Thiel
Peter Thiel é uma figura peculiar. Ele fez fortuna como um dos sócios de Elon Musk no PayPal, e depois ganhou destaque na cultura pop ao se unir a Hulk Hogan para falir o website de fofocas Gawker em um dos mais notórios casos de ‘litígio por procuração’. Mas ele é muito mais do que isso. Um verdadeiro capitalista de risco, empreendedor em série e discípulo do filósofo Rene Girard, para citar algumas de suas credenciais.
Thiel recentemente fez uma palestra em que, a partir do conceito da “maldição do petróleo” (a aparente correlação negativa entre a quantidade de reservas de petróleo de um país e o padrão de vida de seus cidadãos), ele desenvolveu o conceito da “maldição da tecnologia”:
“A maldição da tecnologia é o aparente paradoxo de que uma forte indústria de tecnologia parece estar associada à disfunção social e não ao progresso”
Ele então traz o assunto para o campo acadêmico, para nos alertar de que devemos ser céticos em relação às “coisas que se chamam ciência”, usando como exemplos a ciência política as ciências climáticas. Eu acrescentaria ‘ciências sociais’ como um todo a essa lista. Com uma menção honrosa, claro, ao socialismo científico.
Sempre que você precisa adicionar a palavra ‘ciência’ ao nome para dar alguma credibilidade a uma disciplina, isso soa meio suspeito. Afinal, a química não é chamada de ‘ciência química’, e a física não é chamada de ‘ciência física’. Com base em Thiel, eu expandiria o conceito para desenvolver a ‘maldição científica’:
“A maldição científica é o aparente paradoxo de que uma comunidade científica forte está associada à estagnação intelectual em vez de avanço”
A proeminência de tais disciplinas ‘científicas’ é mais uma evidência de que realmente vivemos em tempos de entropia reversa. Parece que a ciência entrou em um estágio de retornos decrescentes de escala em termos de credibilidade — ou a parte inelástica da curva de aprendizado. Hoje, os chamados cientistas parecem estar sacando mais credibilidade do que depositam no banco da ciência. Casa de ferreiro, espeto de pau.
Hoje, os chamados cientistas parecem estar sacando mais credibilidade do que depositam no banco da ciência
Ciência Líquida
“A sociedade de consumo líquido-moderna despreza os ideais do ‘longo prazo’ e da ‘totalidade’ […], tais ideais tendem a ser substituídos pelos valores da gratificação instantânea e da felicidade individual”
Zygmunt Bauman, “Vida Líquida”
O célebre filósofo marxista (é, até eles admitem o problema…) Zygmunt Bauman é famoso por seu conceito de “modernidade líquida”, descrevendo a sociedade em constante fluxo e mudança permanente em que vivemos. De acordo com Bauman, na modernidade líquida as coisas são “incapazes de manter qualquer forma ou curso por muito tempo”.
Mas que tipo de ciência surge da modernidade líquida? Ciência líquida, é claro. A ciência líquida é mais fácil e rápida. Seus praticantes ganham acesso a um cheque especial de credibilidade científica ilimitado, financiado pelos seus pares. Na ausência de definições estáveis, com os computadores fazendo o trabalho pesado, e o consenso científico orientando as conclusões, a ciência como esforço para encontrar a verdade deixa de existir. A ciência se torna apenas aquilo que os cientistas fazem, e o que eles dizem: ciência líquida. Mais uma vez, Olavo de Carvalho tinha razão.
A ciência líquida é mais fácil e rápida. Seus praticantes ganham acesso a um cheque especial de credibilidade científica ilimitado, financiado pelos seus pares
Não estou dizendo que esse é um comportamento deliberado adotado por cientistas como parte de algum tipo de conspiração. Para mim, é apenas um reflexo da vida dentro da bolha da modernidade líquida. A sobrecarga de informações criou uma corrida armamentista entre dados e razão. Mas com os dados ficando mais abundantes e a razão ficando cada vez mais escassa, é natural que os cientistas usem cada vez menos a razão. Como diz Bauman, em Isto Não é Um Diário:
“A arte de surfar tirou da arte de se aprofundar o título de número 1 na hierarquia das habilidades úteis e desejáveis”
Quando você percebe que enquanto os retornos de credibilidade da ciência estão diminuindo, os retornos financeiros da ciência estão aumentando, você entende porque a fraude científica está se tornando uma forma atraente de ganhar a vida.
A Ciência Enquanto Fetiche
“Sei muito bem que não posso realmente influenciar o processo que pode levar à minha ruína, mas, no entanto, é muito traumático para mim aceitar isso, então não consigo resistir ao impulso de fazer algo, mesmo sabendo que não tem sentido.”
Slavoj Žižek, sobre a ‘negação fetichista’ (ou o oposto dela)
Slavoj Žižek (outro marxista) é um dos mais ilustres intelectuais públicos de nosso tempo e, como tal, também se entrega à prática da “ciência líquida”. Mas ele é acima de tudo um arquiteto da filosofia, construindo, desmontando e recombinando conceitos… apenas para repetidamente descartá-los.
Ele está constantemente criticando — e praticando — o que chama de “repúdio fetichista”, ou em suas próprias palavras:
“Eu sei, mas não quero saber que sei, então não sei”
Isso pode levar sua filosofia a alguns lugares interessantes. Mas nem tudo que funciona para a filosofia, funciona para a ciência. Na ciência, quando você finge não saber coisas que — de fato — você sabe, está cruzando a linha da episteme (conhecimento) para a doxa (opinião). Da razão à crença.
A maior expressão da negação fetichista da ciência em nossos tempos é o chamado consenso científico em torno das mudanças climáticas
A maior expressão da negação fetichista da ciência em nossos tempos é o chamado “consenso científico” em torno das — também chamadas — “mudanças climáticas”. Pode ser resumida assim: “Sei que as mudanças climáticas não constituem uma teoria científica sólida, mas preciso que seja aceita como tal, então vou ignorar o método científico e chamá-las de ‘consenso’ científico”. O problema é que um consenso faz parte da doxa, não da episteme.
Aristóteles já sabia disso. Em seu modelo teleológico de análise científica, sondar as opiniões dos sábios era o início da investigação científica, não a conclusão do processo. O consenso científico era a motivação para a descoberta científica, fornecendo um problema, não uma solução. A negação fetichista reverteu o ideal teleológico de Aristóteles: a ciência não é mais algo a ser aspirado e perseguido, mas algo presente e realizado; uma mercadoria, um objeto a ser fetichizado como um distintivo de autoridade.
O problema é que, como mercadoria, a verdade científica se torna inatingível. E é por isso que os cérebros dos progressistas entram em curto-circuito ao tentar realizar a simples tarefa de definir o que é uma mulher: o problema não é que seu raciocínio seja circular, o problema é que todo o seu arcabouço científico é circular.
Ofendendo o Público (ou Anti-Ciência)
“Ataques contra mim, francamente, são ataques contra a ciência”
Dr. Anthony Fauci
Na obra “Publikumsbeschimpfung” (“Ofendendo o Público”, em tradução livre), o dramaturgo austríaco e Prêmio Nobel Peter Handke introduziu o conceito de “anti-peça”, onde ele teatralmente produz uma declaração anti-teatro. Não há enredo nem narrativa, apenas os atores no palco atuando contra o palco. E tem cara de teatro: tem palco, tem plateia, tem falas, tem iluminação, tem que comprar ingresso pra entrar. Só que não é uma peça.
Handke ponderou que seu objetivo era “usar palavras para encurralar o público, para que eles quisessem se libertar por meio de protestos; se sentissem vulneráveis e reagissem”. Portanto, a anti-peça de Handke não é acidental. A anti-ciência dos cientistas contemporâneos — infelizmente — é.
A anti-ciência é o que acontece quando a verdade se torna um subgênero da ficção, e então a ciência pode abraçar totalmente o conceito iluminista de uma razão subjetiva e fetichista. Os iluministas nunca conseguiram lidar adequadamente com o fato de que a ciência não estuda fatos concretos. O que era tão claro para os gregos e os escolásticos.
Anti-ciência é o que acontece quando a verdade se torna um subgênero da ficção, e então a ciência pode abraçar totalmente o conceito iluminista de uma razão subjetiva e fetichista
O mundo da ciência não pode coincidir com o mundo “real”. O mundo da ciência é um mundo de ideias por excelência. Um mundo feito pelo homem e, portanto, distinto do mundo onde realmente existem coisas concretas.
A anti-ciência é um produto de um mundo diferente. Esse certamente não pode ser o mundo “real”, mas também não é o mundo da ciência, que é idealizado e não sensorial. É o mundo do subjetivismo coletivo, ou o que Edmund Husserl chamou de Lebenswelt (“Mundo da Vida”).
O Lebenswelt de Husserl é um teatro onde a existência é experiência, não há uma presença fundamental que seja comum a todos os indivíduos, que possa ser independente da experiência. Nada existe a menos que seja experimentado por alguém. Não existe uma “presença total” (para usar o conceito de Louis Lavelle) que mantenha todas as partes juntas.
Ao contrário da anti-peça de Handke, a anti-ciência é incidental. Não visa deixar o público desconfortável. Ele está tentando fazer o oposto. Mas não é função da ciência fazer você se sentir confortável em sua pele, e essa atitude está criando um público muito ruim. Um público corrompido que está cada vez mais sedento por mais validação de sua experiência.
Ciência Nos Dias de Cólera
O declínio da religião, dizem os iluministas, deveria ter inaugurado uma era de esclarecimento e avanço científico, mas aqui estamos: 1 segundo nesta nova era e já discutindo se homens podem engravidar ou se deveria ser legal sacrificar os nascituros.
Durante um evento na semana passada, um “cientista” formado em Yale corrigiu minha esposa por usar o termo breastfeeding (algo como ‘aleitamento materno’) em vez de chestfeeding (algo como ‘aleitamento parental’, na novilíngua progressista) durante uma conversa. Deixando de lado o mansplaining e o manterrupting presentes no episódio, para mim foi mais uma evidência de que uma vez que começamos a chamar de “ciência” coisas que não são ciência, logo estamos chamando de “coisas” coisas que não são coisas.
Quando começamos a chamar de “ciência” coisas que não são ciência, logo estamos chamando de “coisas” coisas que não são coisas
O mundo da experiência — ou das narrativas — onde cada um vive a sua própria ‘verdade’, onde a permanência objetiva do conhecimento científico está sujeita à apropriação individual, onde nos atribuímos o nosso próprio gênero, ‘descolonizamos’ a matemática, dizemos que feminismo é o mesmo que igualdade e a democracia não é sempre a vontade do povo, é o mundo onde criamos nossa própria ciência.
E esse é o mundo onde vivem as coisas que não são coisas: lá vive a “homofobia” e o “privilégio branco”. É onde um feto não é um bebê e uma mulher é qualquer coisa que se identifique como uma mulher.
Nós moramos lá agora. Estamos todos compartilhando uma grande mentira, experimentando um fetiche luxuoso, onde todos sabemos o que sabemos, mas temos medo de saber o que sabemos. Então, apenas fingimos que não sabemos.
E é por isso que as “mudanças climáticas” são a razão pela qual existem bilhões de gêneros hoje em dia.
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