Não deixem de conferir as frases da semana na Gazeta do Povo!
“Os melhor planos,
dos ratos ou homens,
muitas vezes dão errado”
Robert Burns, poeta escocês, To a Mouse
Em um armazém no interior de Maryland em 1962, o cientista americano John B. Calhoun criou seu próprio admirável mundo novo: o Universo 25. Ali, um dos experimentos mais arrepiantes da história aconteceu, quando Calhoun e sua equipe observavam o comportamento de um grupo de roedores num esforço para entender melhor a natureza humana.
Os ratos foram enclausurados em um ambiente utópico, um recinto fechado repleto de comida, água, materiais para seus ninhos e amplo espaço para circular, se exercitar e socializar. Lá, nasciam, se multiplicavam e morriam. Um experimento projetado para observar o paraíso encher até as bordas... para depois transbordar em caos.
O resultado foi um rápido declínio social, não devido à explosão populacional, mas principalmente pela devassidão da abundância — a destruição do tecido moral que antes mantinha a sociedade unida. No início, os ratos prosperaram, e a população aumentou rapidamente, conforme previsto.
Mas, em dado momento, à medida que os números cresciam, a sociedade entrava em colapso, com indivíduos tornando-se cada vez mais agressivos, territoriais e antissociais. Mesmo que os recursos continuassem abundantes.
Calhoun batizou esse efeito de ‘ralo comportamental’ — uma vala comum onde toda a civilidade era despejada, um abismo onde a ordem natural era subvertida pela gravidade do excesso.
As fêmeas abandonaram seus papéis naturais, exibindo comportamento agressivo, atacando seus filhotes e umas às outras, com uma súbita queda no interesse reprodutivo. As taxas de natalidade despencaram e a mortalidade infantil disparou.
Os machos, tendo perdido seus papéis de provedores e sem ter que competir por recursos escassos, retraíram-se. Amontoavam-se nos cantos, apáticos, enquanto as fundações que sustentavam seu mundo se dissolviam na acidez social. Em vez das figuras estoicas e fortes que se esperaria em situações de privação, eles recuaram nas sombras da opressão feminina em um ambiente de abundância.
Logo, uma nova elite emergiu, os ‘machos bonitos’, que se concentravam apenas em comer e dormir, sem interesse em defender o território ou acasalar com as fêmeas, ocasionalmente envolvendo-se em comportamentos sexuais alternativos. Com o tempo, esses ‘machos bonitos’ e ‘fêmeas isoladas’ passaram a dominar a população. Enfim, a mortalidade infantil atingiu 100%, e a reprodução cessou. Agora em risco, alguns recorriam até ao canibalismo, apesar da abundância de alimentos.
O que os cientistas observavam, claro, não se tratava apenas dos erros nos planos dos ratos. Era o microcosmos de qualquer sociedade entregue aos seus próprios impulsos de excesso e indulgência. No Universo 25, a decadência moral não era um mofo se espalhando lentamente, mas um incêndio súbito devorando tudo em seu caminho. Consumindo os fundamentos da ordem social, deixando para trás os restos carbonizados dos bons tempos. Neste inferno meticulosamente monitorado, os comportamentos observados eram os de indivíduos puxados além do limite, não pela maldição da escassez, mas pela benção da abundância.
O experimento foi replicado muitas vezes por Calhoun, sempre com o mesmo resultado. O fim de algo: um paraíso confinado, uma sociedade, um código moral, uma aparência de ordem…
O que restou na esteira de cada decadência era a mesma carne viva e necrosada das feridas expostas do nosso universo: Universo 26. O Ocidente da era pós-abundância. Com a diferença que os pobres ratos foram submetidos a este destino, enquanto nós nos esforçamos para seguir nos passos deles e recriar o paraíso decaído em nosso próprio universo.
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