A Queda de Taiwan Será Como a de Constantinopla
É o melhor, e o pior, dos tempos para uma nova guerra mundial
“Como dizem os chineses, ao rogar uma praga: ‘Que você viva em tempos interessantes.’”
Umberto Eco
Vivemos em tempos interessantes, onde toda guerra é em nome da democracia, e toda eleição é uma guerra. Mas, a tal Terceira Guerra Mundial sabemos que não vai acontecer. A não ser que a China mude de idéia.
Xi Jinping diz, sem medo ou vergonha, não descartar “o uso da força, reservando a opção de tomar todos os meios necessários” para resolver a questão de Taiwan que, ele insiste, “não pode ser passada de geração em geração”. Tudo parte de seu grandioso ‘Sonho Chinês’, a ser realizado até 2049.
Isso nos deixa com um quarto de século para evitar um confronto catastrófico entre os EUA e a China por causa de Taiwan. Porque não há como esconder o sol com a peneira: se a China decidir invadir Taiwan, teremos uma Terceira Guerra Mundial.
No entanto, a idéia de a China travar guerra ‘por’ Taiwan não faz muito sentido. Uma Terceira Guerra Mundial ‘por’ Taiwan é uma coisa; uma Terceira Guerra Mundial com Taiwan já sob a bandeira chinesa seria uma coisa totalmente diferente.
E para a China, é claro, não faltam opções. Uma invasão de Taiwan é uma possibilidade, mas diplomacia, engenharia social, guerra cibernética e alavancagem financeira são outras especiarias geopolíticas com as quais a China está muito familiarizada.
O problema de invadir Taiwan é até bem óbvio. A China teria que pedir truco de saída, lançando um ataque preventivo contra as bases dos EUA ao longo da Primeira Cadeia de Ilhas (‘First Island Chain’). Caso contrário, o exército dos EUA facilmente impediria uma invasão, dizimando a marinha invasora chinesa como se estivesse atirando em peixes em um barril. Neste cenário, a China ficaria sem opções, e teria que escalar a guerra.
A Primeira Cadeia de Ilhas, que inclui Taiwan, serve ao propósito estratégico de restringir o acesso das marinhas de China e Rússia ao Oceano Pacífico, permitindo assim que os EUA projetem seu poder sobre todo o Sudeste Asiático. O acesso marítimo da China é completamente restrito por essa cadeia e, embora a Rússia possua uma costa extensa, ela é quase inteiramente inútil devido às extremas condições do Ártico.
A China provavelmente já teria agido sobre Taiwan se acreditasse que os EUA não retaliariam um ataque. Taiwan, por sua parte, já teria se curvado à China se pensassem que os EUA não viriam em sua defesa em caso de um ataque.
Os EUA reconhecem que a inação diante de uma invasão chinesa danificaria irreparavelmente sua estratégia de deterrência, minando sua credibilidade junto às nações na região sob ameaça chinesa, como Japão, Coréia do Sul, Austrália e Filipinas. Por outro lado, intervir para bloquear um avanço chinês sobre Taiwan poderia levar a uma guerra total, e provavelmente nuclear.
Assim, as desvantagens para a China em invadir Taiwan são evidentes. Além disso, para os chineses, há vantagens significativas a serem consideradas em não invadir.
A aventura da Rússia na Ucrânia fez pouco para aumentar sua força militar. Em contraste, a ‘integração’ de Taiwan pela China seria transformadora. Para começar, eles ganhariam acesso a tecnologia avançada de semicondutores, potencialmente modernizando sua capacidade de produzir armamentos avançados, a ponto de rivalizar com a dos EUA.
No entanto, a cereja do bolo para os chineses está em quebrar a Primeira Cadeia de Ilhas, desimpedindo seu acesso às águas oceânicas e elevando sua marinha a uma força global, capaz de atuar em qualquer lugar do globo, assim como a dos EUA.
Tal atualização na tecnologia militar, juntamente com uma ‘marinha de alto mar’, alteraria dramaticamente a posição da China em uma hipotética Terceira Guerra Mundial.
Ainda assim, o Ocidente não precisaria perder o sono com a Terceira Guerra Mundial de imediato. Um motivo melhor para perder o sono seria a ‘nova’ China, surgindo dessa transformação, sinalizando uma nova ordem mundial verdadeira. Encorajada militarmente, e possivelmente já a maior economia do mundo, a China estaria pronta para redefinir as instituições globais e assumir o papel de líder de um mundo cativo. Sem a necessidade de ir à guerra.
Mesmo no auge da Guerra Fria, não havia concorrente com a capacidade de sobreviver à queda dos EUA e depois reinar sobre suas cinzas. A União Soviética, limitada em sua capacidade de projetar poderio tanto militar quanto econômico, enfrentava um destino binário entre o colapso ou a destruição mútua. Ela nunca poderia ‘vencer’. A China, por outro lado, poderia emergir como a primeira nação capaz de competir de igual para igual com os EUA por influência global e vencê-lo em seu próprio jogo. A Guerra Fria nunca foi tão sutil.
Em Qual Linha do Tempo Estamos?
“Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era a idade da sabedoria, era a idade da loucura, era a época da crença, era a época da incredulidade, era a estação da luz, era a estação das trevas, era a primavera da esperança, era o inverno do desespero.”
Charles Dickens, Um Conto de Duas Cidades
“Por que agora?” Essa é a pergunta que não quer calar, conectando a invasão da Rússia à Ucrânia, a orquestração do Irã dos ataques de 7 de outubro e — caso aconteça — a invasão da China a Taiwan.
A resposta, eu imagino, depende de qual é a linha do tempo relevante para estes eventos.
Estamos, sem dúvidas, em uma linha do tempo que inclui o acordo nuclear entre os EUA e o Irã, a infâme ‘linha vermelha’ de Obama na Síria, a desastrada retirada do Afeganistão de Biden e o apoio vacilante do Ocidente à Ucrânia. Aqui, a deterrência dos EUA enfraquece, emitindo sinais confusos tanto para seus aliados, quanto seus inimigos.
Seria a mesma linha do tempo onde a invasão da Ucrânia leva aos ataques de 7 de outubro, e possivelmente a Taiwan? Essa é a impressão predominante na mídia corporativa: um ‘surto de autoritarismo’ inaugurando a Terceira Guerra Mundial, sem propósito, coordenação ou estratégia claros.
É a narrativa estabelecida de heróis globalistas defendendo a democracia contra os vilões fascistas, mencionando casualmente Trump e Bolsonaro no mesmo parágrafo para validação automática. Pressupõe que o mundo inteiro adere à mentalidade das elites ocidentais do século 21, até mesmo homens do século 19 como Xi e Putin.
Mas é difícil argumentar que os conflitos na Ucrânia, na Terra Santa e em Taiwan são por causa da democracia. O mesmo vale para a maioria das eleições ocidentais.
Talvez estejamos na linha do tempo que se estende do Muro de Berlim ao World Trade Center, e eventualmente a Taiwan. Ela marca o fim da ‘Pax Democratica’, um engodo construído sobre a Pax Americana, fundada em princípios mal elaborados como a ‘Teoria dos Arcos Dourados para Prevenção de Conflitos’ de Thomas Friedman. O antigo conflito da Guerra Fria entre capitalismo e socialismo, ou à moda contemporânea, individualismo e coletivismo.
Acreditávamos que os mercados livres poderiam resolver tudo, desde fornecer mão de obra barata através da imigração até democratizar a China e o Oriente Médio. A idéia era, se falarmos duro e carregarmos um porrete de brinquedo, nenhum país onde o McDonald’s plantou sua bandeira jamais entraria em guerra um contra o outro.
Bem, essa teoria foi natimorta. Logo, a idéia revisionista de que os EUA nunca bombardeariam um país na cadeia de suprimentos da Apple provavelmente será desacreditada.
Então, estamos em uma linha do tempo do assassinato de Franz Ferdinand à invasão da Polônia, culminando em Taiwan? Duvido. Mas se de fato estamos à beira da Terceira Guerra Mundial, então atacar a China, a Rússia e o Irã agora pode ser a melhor estratégia, como John von Neumann teria sugerido. Apenas porque nunca mais será tão fácil quanto agora. Já que isso não parece razoável, devemos estar em uma linha do tempo diferente.
Acredito que estamos na linha do tempo da queda de Cartago à queda de Constantinopla, até a queda de Taiwan. O historiador Donald Kagan, em seu livro On the Origins of War, apresenta um argumento persuasivo para uma herança comum entre a Guerra do Peloponeso, as Guerras Púnicas, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial. É uma linha do tempo prolongada e que se move lentamente. Talvez semelhante à que estamos agora.
Após Constantinopla, o Império Otomano reinou, com os Estados Berberes controlando os mares. O Ocidente foi compelido a circunavegar o globo, descobrindo novos mundos. Curiosamente, o Império Russo ascendeu conquistando o que já foi um grande império do Oriente.
Prever o resultado da ação da China sobre Taiwan é desafiador, pois depende de eventos intermediários que ainda não aconteceram. Mas qualquer especulação ainda é mais racional do que assumir que a Terceira Guerra Mundial é iminente devido às ‘insanidade’ de autocratas como Putin, Xi ou os Aiatolás; enquanto ignora a insanidade de nossas próprias pseudo-democracias, encarnadas pelos Bidens, Macrons, Scholzes e Lulas. Talvez nossos adversários compreendam isso melhor do que pensamos.
De qualquer forma, não há como negar que algo grande está acontecendo. E os ensaios para uma Terceira Guerra Mundial já estão bem encaminhados.
Nova Desordem Mundial
“Verba movent, exempla trahunt
(As palavras movem, os exemplos arrastam)”
Sugerir que seus inimigos estão planejando ‘algo’ é normalmente suficiente para ser marcado como um teórico da conspiração. A posição moderada, no entanto, parece ser confiar cegamente que nosso é o nosso lado que tem um plano, mesmo na ausência de qualquer evidência.
O que é verdade, porém, é que o mundo está engajado em um grande jogo de guerra através de três frentes expansivas: o ressurgimento de um império euroasiático liderado pela Rússia, as múltiplas tentativas erráticas de formar um ‘Estado Islâmico’ abrangente — com Irã, Arábia Saudita e Turquia competindo pela primazia —, e a ascensão da China à preeminência global, usando Taiwan como um degrau, não um objetivo.
Eles têm fortalecido suas posições estratégicas há muito tempo, mobilizando recursos e reforçando seu arsenal militar, aparentemente com a intenção de desafiar o status hegemônico dos EUA e moldar um mundo multipolar.
Acreditamos que a ‘Pax Democratica’ representa uma ameaça para eles — que democratizaria a China, desradicalizaria o Oriente Médio e até derrubaria o regime de Putin através de sanções. Mas, na realidade, essa crença ingênua é usado com um trunfo por nossos inimigos. A ‘Pax Democratica’, talvez involuntariamente, serve bem aos propósitos deles.
Basta olhar como as coisas estão interessantes desde 2022: vimos Rússia-Ucrânia, Israel-Hamas, com tensões crescentes em Sérvia-Kosovo, Venezuela-Guiana e possivelmente Irã-Paquistão. No ano passado, foi Armênia-Azerbaijão.
O Irã está mais perto de uma bomba nuclear a cada minuto. A Coréia do Norte está aumentando as tensões com a Coréia do Sul, que, simultaneamente, está fortalecendo laços navais e de defesa com o Japão, apesar de sua relação histórica sangrenta.
A cadeia de suprimento do comércio global está sob ataque. O volume de comércio do Canal de Suez caiu 40% devido a conflitos regionais. A sombra da China sobre o estreito de Taiwan ameaça uma disrupção ainda maior. O Mar Vermelho está bloqueado por milícias apoiadas pelo Irã, e a estabilidade do Panamá está cada vez mais em questão.
Enquanto isso, 3,2 milhões de imigrantes ilegais entraram nos EUA pela fronteira sul no ano passado, e metade da população global está indo às urnas este ano.
E então há o ‘Cinturão do Golpe’ de Putin na África, uma série de insurreições que, ao contrário do 8 de janiero, são muito reais, devastando a África desde 2020:
O crescente papel da China como credor global amplia a desordem. Oficiais do FMI e do G20 se desesperam, ainda em privado, sobre a China fechando acordos espúrios com as nações emergente, que podem incluir colaterais como minas, usinas de energia e outras obras de infraestrutura chave. As prováveis inadimplências iram, provavelmente no médio prazo, causar tumulto político em países como Zâmbia, Sri Lanka, Gana, Etiópia e Paquistão, todos eles grandes devedores da China.
A China detém 867 bilhões de dólares da dívida dos EUA. No caso de um conflito no Mar do Sul, poderia haver uma venda rápida de 40% dos títulos do tesouro dos EUA (pela China e outros credores da região, como o Japão), prejudicando significativamente a capacidade de captação de recursos dos Estados Unidos.
Inveja da Marinha Azul
“Do alto destas Pirâmides, quarenta séculos nos contemplam.”
Napoleão
No mapa abaixo, observe a base naval chinesa em Djibuti, sua primeira no exterior, e um ‘porto comercial’ na Guiné Equatorial, ambos quase ladeando o Cinturão do Golpe de Putin:
Além disso, observe as bases propostas e operacionais pontilhando o Sudeste Asiático e as Ilhas Salomão, formando um envelope quase completo ao redor da Primeira Cadeia de Ilhas.
Os oceanos são, claro, a base da ordem internacional. A China, confinada pela Primeira Cadeia de Ilhas, está estabelecendo postos avançados no exterior para acesso, reabastecimento e reposição de suprimentos e tropas. Daí os trilhões de dólares investidos pelo país em infraestrutura portuária ao redor do mundo:
Então, há o Panamá, que alguns esquecem foi invadido pelos EUA em 1989 durante a Operação Just Cause. Lá, um consórcio chinês está construindo uma ponte sobre o Canal, ponte que será isenta do Protocolo de Neutralidade do Canal do Panamá. Este protocolo dita que o canal “tanto em tempos de paz quanto em tempos de guerra permanecerá seguro e aberto ao trânsito pacífico pelos navios de todas as nações.”
A capacidade de construção naval chinesa já em muito supera a dos EUA. Sua frota naval, já considerada a maior do mundo com mais de 340 navios de guerra, era uma vez considerada uma força de ‘águas verdes’ (fluvial e litorânea), operando principalmente perto de suas costas. A velocidade de sua transformação em uma marinha de alto mar (ou de ‘águas azuis’), capaz de alcance global, é notável.
Xi almeja uma “força de classe mundial” até 2035. O Fujian, terceiro porta-aviões da China previsto para 2024, com capacidades de alcance mais longo e de munições mais pesadas, estenderá o perímetro defensivo da China até a Segunda Cadeia de Ilhas e além.
Não se engane, estamos lidando com a mesma China que lutou na Rebelião Taiping, deixando 30 milhões de mortos décadas antes da Primeira Guerra Mundial, e a mesma China que expropriou 700 milhões de acres de terra durante o governo Comunista. A China não se assusta com conflitos ou projetos de larga escala. O que mudou é seu método de projeção de poder; não mais através de Grandes Muralhas, mas sim através de porta-aviões.
Pense na conquista de Tiro por Alexandre em 332 a.C., considerada improvável, senão impossível. Ele construiu um istmo do continente até a cidade-ilha, outrora considerada inexpugnável. O istmo permanece até hoje, transformando efetivamente Tiro em uma península. Então pense em como a China pode ser criativa em sua abordagem a Taiwan.
Armadilha da Consciência de Domínio
“Você nunca sabe de que pior sorte sua má sorte te salvou.”
Cormac McCarthy, Onde os Fracos Não Têm Vez
Muitos americanos, tanto os de sangue quente quanto alguns de sangue azul, estão cansados de guerras lutadas pela democracia, mas pagas com dólares. A era pós-11 de setembro viu $8 trilhões gastos em conflitos no exterior, sem incluir os $105 bilhões destinados à Ucrânia, Israel e Taiwan. Isso destaca a importância de reconhecer que a questão com Taiwan não é sobre a ‘banalidade do bem’ de espalhar a democracia mundo afora.
É fácil ignorar como os conflitos Rússia-Ucrânia, Hamas-Israel e potencialmente China-Taiwan fazem parte de um quadro maior, uma luta pelo poder envolvendo o eixo Rússia-Irã-China contra o Ocidente liderado pelos EUA. E não podemos assumir que eles não têm um plano simplesmente porque parecemos não ter um.
O escândalo envolvendo balões de vigilância chineses no espaço aéreo dos EUA no ano passado, levando um longo tempo para ser detectados pelo Pentágono e abatidos sem muita pressa, revelou mais do que a fraqueza de Joe Biden e sua inadequação como líder do mundo livre.
O General americano Glen D. VanHerck, chefe da NORAD e NORTHCOM, admitiu uma “lacuna de consciência de domínio”, uma deficiência no entendimento ou monitoramento de uma ameaça específica, onde a falta de informação completa impede a tomada de decisão eficaz ou ação.
No entanto, após duas décadas de paz relativa e crescimento econômico contínuo; e sob uma dieta insalubre de mentiras óbvias de líderes mundiais que afirmam, sem vergonha ou autoconsciência, que as verdadeiras ‘ameaças existenciais’ para a humanidade são as tais mudanças climáticas e o tal patriarcado; podemos ter sucumbido a uma ‘armadilha de consciência de domínio’.
Uma tendência crescente ao isolacionismo é evidente, especialmente à direita, uma resposta clara às guerras falsamente justificadas como esforços de democratização e um foco militar cada vez mais em diversidade e cada vez menos em prontidão.
Apesar do alto gasto com defesa, a capacidade do Ocidente de apoiar aliados como Ucrânia, Israel ou Taiwan é limitada. A capacidade americana de produção de munições caiu de 867.000 projéteis por mês nos anos 1990 para 28.000 hoje, com o Pentágono visando aumentá-la para 100.000 até 2025. O Pentágono também planeja adquirir milhares de drones nos próximos 18 meses, enquanto seu principal fornecedor produziu apenas 38 unidades no ano passado.
Pode chegar um tempo em que olharemos com nostalgia para os dias em que os isolacionistas resmungavam sobre gastos militares no exterior, alheios à facilidade da vida quando os EUA estavam jogando jogos de guerra com dinheiro de Banco Imobiliário.
O Problema dos Três Corpos
“O universo existe há apenas 20 bilhões de anos, enquanto se as leis físicas, como as entendemos, estiverem mesmo remotamente corretas, o universo continuará a existir por pelo menos mais 100 bilhões de anos. Quase todo o espaço e tempo estão no futuro. Ao focar a atenção apenas no passado e no presente, a ciência ignorou quase toda a realidade.”
Frank Tipler, físico americano
Preocupamo-nos demais com a origem da espécie, quando o verdadeiro pulo do gato está no destino da espécie.
Desde os dias da Guerra Fria, contemplamos a existência de apenas dois cenários apocalípticos: uma guerra nuclear acabando com o mundo amanhã ou uma existência pacífica durando alguns bilhões de anos até o sol consumir a Terra.
Independentemente de ser agora ou nunca, era inútil pensar sobre o fim do mundo como o conhecemos. E essa crença se infiltrou profundamente em nosso psicológico geopolítico.
No entanto, um terceiro cenário está emergindo dos bunkers de Moscou, Pequim e Teerã, sugerindo que o mundo como o conhecemos pode acabar em algumas gerações — talvez em 50, 100 ou 200 anos.
Interessantemente, embora sob pretextos diferentes, este é o enredo de O Problema dos Três Corpos do autor chinês Liu Cixin, possivelmente o maior sucesso editorial da China moderna e uma obra seminal de ficção científica deste século. O romance mergulha na Revolução Cultural chinesa enquanto vislumbra um papel de liderança desproporcional para o país em meio a uma futura turbulência global. Tudo com a presumida bênção do Partido Comunista Chinês.
Tirando seu título do problema dos três corpos na mecânica clássica, o romance imagina uma civilização alienígena avançada, os Trisolares, em uma galáxia onde seu planeta está sujeito a influência caótica de três sóis, em contraste com o sistema estável de um único sol da Terra. Uma referência nada sutil ao nosso sistema solar geopolítico, com um sol soberano (os EUA) como uma fonte de gravidade avassaladora, mantendo o sistema estável.
Ao descobrir nosso sistema solar, os Trisolares embarcam em uma jornada de 400 anos para colonizar a Terra. Alertados sobre suas intenções, os habitantes da Terra ficam a contemplar a vida sob a ameaça de um colapso civilizacional certo. Não hoje, não em um bilhão de anos, mas na extensão excruciante de apenas algumas gerações.
O romance remete à queda de Constantinopla em 1453 como um símbolo da iminente convulsão civilizacional. Outra alegoria interessante é o elevador espacial, uma estrutura futurística estendendo-se da Terra ao espaço, um portal estratégico para o transporte de materiais, pessoas e armas para o vasto campo de batalha. Talvez uma alusão à importância estratégica da conquista de Taiwan pela China.
Quase como na vida real, a China em O Problema dos Três Corpos é uma previsão perfeita do marxismo. Construir o elevador espacial, assim como a ‘reunificação’ com Taiwan, torna-se um passo histórico inevitável.
A ordem liberal internacional “baseada em regras” perdeu a aposta na China, o enredo na Rússia e o blefe no Oriente Médio. O liberalismo, irônicamente sem soluções para os problemas modernos, viu suas estratégias ruírem uma a uma. A Política de Uma China, a Solução de Dois Estados e a expansão da OTAN são respostas falhas para as questões centrais em Taiwan, no Oriente Médio e na Ucrânia, respectivamente.
Mais importante, enquanto nos deleitávamos com os frutos fáceis da árvore do conhecimento, esquecemos como construir catedrais e até mesmo de fazer perguntas enquanto elas queimam diante de nossos olhos. A China, uma das civilizações contínuas mais longas, entende isso. Como o exército de terracota, eles visam não apenas a onipotência, mas a imortalidade.
Desafios demográficos e econômicos podem descarrilar os planos chineses, mas é cada vez mais claro que a ordem Liberal não fará nada para impedí-los. É hora do Liberalismo ceder. De preferência não para as maquinações da China, Rússia ou Irã.
O populismo, começando com a migração da classe média tradicional e dos trabalhadores de colarinho azul, para longe da engenharia social esquerdista e em direção a políticas tradicionais à direita, pode ser nossa aposta mais promissora para quebrar a espiral de morte do Ocidente. No entanto, há outras teorias pós-liberais que valem a pena explorar.
A sombria previsão de Einstein de uma WWIII nuclear seguida por uma WWIV de “paus e pedras” não é mais o cenário mais assustador. A realização de que o Ocidente, pela primeira vez, pode não ter os meios ou a vontade de se defender em uma guerra existencial, é ainda mais aterrorizante.
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